22.4.11

Resumo “Identidades Assassinas” de Amin Maalouf (1998) – Terceira Parte

Para responder à questão de por que razão o ocidente cristão conseguiu produzir sociedades respeitadoras da liberdade de expressão, enquanto o mundo muçulmano aparece agora como uma “cidadela do fanatismo”, Amin Maalouf reflecte sobre a relação entre povos e religiões, considerando exagerada a importância que se dá à influência das religiões sobre os povos, enquanto se negligencia a influência dos povos sobre as religiões. É nesta linha que surge a resposta. Diz o autor que se o cristianismo modelou a Europa, a Europa também modelou o cristianismo. As sociedades europeias transformaram-se ao longo dos tempos e transformaram também o cristianismo. Tal mudança não foi simples. A princípio, a Igreja resistiu sempre (basta ver o caso de Galileo), mas depois acabou por se adaptar. Se hoje o cristianismo é como é, foi porque a sociedade ocidental foi capaz de esculpir uma religião que a acompanhasse. Parece estar respondida a questão, quanto ao cristianismo.

Mas esta resposta serve também para o mundo muçulmano, pois a influência da sociedade sobre a religião não é característica apenas das sociedades ocidentais e do cristianismo, também se passou o mesmo com o Islão. Esta religião nunca foi a mesma de umas épocas para as outras nem de um país para outro. Do século VII ao século XV existiram grandes sábios e pensadores em diversas áreas, como a astronomia, a agronomia, a química, a medicina e as matemáticas. No mundo muçulmano esta religião era interpretada pelos seus seguidores num espírito de tolerância e de abertura.

Hoje será também o Islão um reflexo das sociedades que professam esta fé? Maalouf acredita que o facto de os muçulmanos atacarem violentamente o Ocidente não se deve a serem muçulmanos e o Ocidente ser cristão, mas, sobretudo, ao facto de serem pobres, dominados, ridicularizados e por o Ocidente ser rico e poderoso. Segundo o autor, estes movimentos não são um puro produto da história muçulmana, são o produto da nossa época, das suas tensões, das suas distorções, das suas práticas, das suas desesperanças:

“As sociedades seguras de si mesmas reflectem-se numa religião confiante, serena, aberta; as sociedades inseguras reflectem-se numa religião friorenta, beata e sobranceira”.

Ao fornecer esta perspectiva, pondo em evidência que, de facto, a sociedade modela a religião e não somente a religião modela a sociedade, Maalouf vai mais longe e acusa mesmo quem se recusa a admitir a primeira visão, não só de injusto, mas também de tornar os acontecimentos do mundo totalmente incompreensíveis. Diz ele que, se nos resignamos à ideia de que o Islão condena irremediavelmente os seus adeptos ao imobilismo, como estes constituem quase uma quarta parte da humanidade e jamais renunciarão à sua religião, o futuro do nosso planeta parece bem sombrio (note-se que o livro foi escrito antes do 11 de Setembro).

Se do século VII ao século XV o mundo árabe prosperou, a partir daí até ao século XIX andou a passo, enquanto, por sua vez, o Ocidente avançou rapidamente. Mais uma vez, o autor volta à questão: foi o cristianismo que modernizou a Europa? De certa forma, o que pretende é mostrar que, da mesma forma que não foi o cristianismo que modernizou a Europa, também não é o Islão que imobiliza os povos seguidores desta religião.
Respondendo à pergunta, mais uma vez o autor realça o facto de a Igreja também se ter oposto sempre, a princípio, à modernização. Foi necessário um impulso profundo, poderoso e contínuo a favor da mudança para que esta resistência se atenuasse e para que a religião se adaptasse. Maalouf considera todo este trabalho dos povos ocidentais, que todos os dias inventavam, inovavam e faziam tremer certezas, um acontecimento único na História. E lança uma outra questão: por que é que quando a civilização da Europa cristã tomou a dianteira todas as outras começaram a declinar? E responde: sem dúvida porque a humanidade tinha nesse momento os meios técnicos para um domínio planetário.

Hoje, o Ocidente está em todo o lado. Toda a modernização é, daqui em diante, ocidentalização. Embora haja monumentos e obras que trazem consigo a marca de civilizações específicas, tudo o que se criou de novo foi criado à imagem do Ocidente (discutível? Japão, Índia, China de hoje?). Mas esta realidade não é vivida da mesma forma pelos povos do Ocidente e pelos restantes, ou seja, pelos que pertencem à civilização dominante e pelos que pertencem às civilizações dominadas. Para estas, segundo Maalouf, a modernidade coloca-se em termos bastante diferentes. A modernização implicou constantemente o abandono de uma parte de si próprios. Embora tenha suscitado, por vezes, o entusiasmo, nunca se desenrola sem uma certa amargura, sem um sentimento de humilhação e de renúncia, sem uma profunda crise de identidade (será assim para todas as pessoas que pertencem a essas culturas?).
É possível assimilar a cultura ocidental sem renegar à sua própria cultura? É possível adquirir o conhecimento do Ocidente sem ficar à sua mercê? Maalouf expõe de forma mais detalhada o caso do Egipto, que apresenta como testemunho de que o mundo árabe sentiu desde muito cedo a necessidade de se modernizar. Primeiro conta a história de Muhammad-Ali, vice-rei do Egipto no século XIX, que modernizou o país, mas que foi travado pela Europa, sendo que a conclusão que os árabes tiraram deste episódio foi de que o Ocidente não quer ninguém que se lhe assemelhe, quer somente que lhe obedeçam.

Dá depois o caso de Nasser, presidente do Egipto entre 1956 e 1970. Nasser foi um ídolo para o mundo árabe-muçulmano e governou até morrer. A incapacidade de resolver certos problemas ligados ao subdesenvolvimento e as várias derrotas militares, nomeadamente a da Guerra dos Seis Dias, contra Israel, fizeram com que perdesse alguma da sua anterior credibilidade. Foi neste contexto que parte da população se predispôs a ouvir os discursos do radicalismo religioso e que surgiram os regimes radicais nos anos 70.

Maalouf utiliza estes exemplos, e mais alguns outros, para demonstrar que foram especialmente as expectativas goradas dos jovens, que primeiro acreditaram e depois deixaram de acreditar, a par da derrota do nacionalismo e do socialismo, que fizeram com que os árabes e muçulmanos tivessem enveredado pelo radicalismo religioso. Para o autor, essa nunca foi a primeira via, nunca foi a escolha espontânea. Para que tal acontecesse foi preciso que todas as outras se fechassem.

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