19.4.11

Resumo “Identidades Assassinas” de Amin Maalouf (1998) – Primeira Parte

O autor, Amin Maalouf, é libanês, jornalista, vive em Paris desde 1976 e a maior parte do tempo dedica-a à escrita.

Neste livro, ele começa por falar, logo na introdução, da sua própria identidade. Mais francês? Mais libanês? Na realidade, ele sente-se libanês, francês, árabe e, também, cristão. São todas estas pertenças que formam a sua identidade. Logo aqui, na introdução, ele salienta o perigo que é querer fazer com que alguém tenha uma pertença mais profunda, porque isso reduz cada um a uma “essência” estabelecida de uma vez por todas à nascença e que nunca se alterará. No entanto, diz que nada nas leis e nas mentalidades actuais permite a alguém com pertenças tão distintas (fala do exemplo de um jovem filho de pais argelinos e nascido em França) “assumir harmoniosamente a sua identidade compósita”.

No capítulo I ele foca-se no conceito de identidade e previne que o objectivo do livro não é redefinir esta noção, mas sim “tentar compreender a razão pela qual tantas pessoas são levadas a cometer crimes em nome da sua identidade”.

Assim, começa por explicar (note-se que ele escreve cada capítulo como se de uma aula se tratasse) que a identidade é constituída por várias pertenças e, embora vários indivíduos possam ter as mesmas pertenças, por exemplo, pertencer ao mesmo clube, à mesma religião, ter nascido no mesmo país, etc., encontrar exactamente as mesmas pertenças em dois indivíduos é impossível e é isto que torna cada indivíduo singular.

De facto, cada indivíduo tem diversas pertenças e, embora nenhuma prevaleça de modo absoluto, quando uma delas é ameaçada, é essa que prevalece e quase parece que é a única que ele tem, a única que forma a sua identidade e, por ela, ele é capaz de se bater “ferozmente” contra os seus próprios correligionários. Dá vários exemplos, como o dos curdos e turcos, ambos muçulmanos, mas com línguas diferentes.

Refere o seu próprio caso. Como o facto de ser árabe e também cristão é uma situação muito minoritária e muito específica e nem sempre fácil de assumir. Diz ter sido determinante na vida dele, em muitas das decisões que tomou, nomeadamente, ter escrito este livro. Se por um lado, a língua o aproxima de uma boa parte da humanidade, a religião aproxima-o de outra. Ele diria que a língua e a religião separadamente o tornam próximo de metade da humanidade. As duas pertenças em conjunto tornam-no parte de uma minoria e confrontam-no com a sua própria especificidade. O mesmo acontece com o facto de ser libanês e francês. Esclarece que nasceu no seio da comunidade greco-católica, ou melquita, a qual reconhece a autoridade do Papa, mas continua fiel a alguns ritos bizantinos (ortodoxos). Esta é uma das razões que o fez não pegar em armas no Líbano para lutar pelo território ou pelo poder, o facto de pertencer a uma comunidade marginalizada.

Isto tudo para afirmar que os seres humanos não são todos semelhantes, mas sim diferentes entre cada um deles: um sérvio é diferente de um croata, mas cada sérvio é também diferente de todos os outros sérvios e o mesmo com os croatas. Deixa então um alerta para a importância das nossas palavras. Não é raro englobarmos as pessoas mais diversas no mesmo vocábulo (“os ingleses destruíram”, “os judeus confiscaram”), emitindo frios juízos de valor sobre determinada população, juízos que podem terminar em sangue.

Assim, as nossas palavras não são inocentes e contribuem para perpetuar preconceitos:
“Porque é o nosso olhar que aprisiona muitas vezes os outros nas suas pertenças mais estreitas e é também o nosso olhar que tem o poder de os libertar”.

No terceiro ponto do capítulo I começa por falar da identidade como construção. Ou seja, além de ser constituída por diversas pertenças, ela também se modifica ao longo do tempo. Os elementos da nossa identidade que existem logo à nascença são relativamente poucos e mesmo estes são vivenciados de forma diferente à medida que vamos crescendo. Dá o exemplo da diferença existente entre uma mulher que tenha nascido em Cabul ou de outra que tenha nascido em Oslo. Ambas são mulheres, mas a forma como vivenciam este aspecto da sua identidade é absolutamente diferente. Neste ponto, mais uma vez, utiliza uma frase quase poética:

“Cada um de nós deve desbravar um caminho entre as vias para onde nos empurram e aquelas que nos proíbem ou cujo terreno minam sob os nossos pés; nenhum de nós é à partida um ser único; não nos contentamos em tomar consciência da nossa identidade, tornamo-nos o que somos; adquirimos essa consciência passo a passo”.

Nós somos um conjunto de pertenças, mas estas não se sobrepõem, fundem-se. Se se tocar numa é toda a pessoa que mexe. Mais uma vez, foca o facto de nos reconhecermos mais numa das pertenças quando essa é atacada. E se não a defendemos, o desejo de vingança fica guardado dentro de nós. Este desejo de afirmação é utilizado por alguns, a que ele chama, os condutores, que o utiliza de forma mais ou menos calculista, inflamando todo um grupo, que fica assim preparado para a guerra, que segundo esse grupo é merecida. Ficam assim justificados todos os crimes, vinganças e humilhações. Amin Maalouf tenta demonstrar a existência de um potencial assassino dentro de cada um de nós, como sob certas condições nos podemos tornar criminosos e cometer as maiores atrocidades, sentindo legitimidade para o fazer com o argumento de defesa da nossa identidade. Esta é a razão pela qual o autor utiliza a designação “identidades assassinas”.

A acrescentar a esta falsa legitimidade para cometer crimes, o autor acrescenta a complacência com que ainda são vistos, por exemplo, os massacres étnicos como algo “lá entre eles”, inevitável, inerente à condição humana. Esta concepção tribal de identidade é, segundo Maalouf, aquela que ainda prevalece no mundo inteiro. Como contraponto realça que, embora muitas concepções inaceitáveis nos dias de hoje se tivessem mantido ao longo de séculos, as mentalidades podem mudar e ideias novas têm vindo a conseguir impor-se, pelo menos em certas partes do mundo. Por exemplo, a ideia de que as mulheres devem ter os mesmos direitos do que os homens.

Assim, como “solução” Amin Maalouf fala da urgência de uma nova concepção de identidade. Diz ele que não se pode exigir a milhões de seres humanos que escolham entre a afirmação excessiva da sua identidade e a sua total perda, entre a negação de si mesmos e a negação do outro. Esta nova concepção de identidade favoreceria o encorajamento da assumpção de pertenças múltiplas, a possibilidade de conciliar a necessidade de identidade com uma abertura franca e descomplexada a culturas diferentes.

Para terminar este primeiro capítulo, Amin Maalouf, aprofunda o tema “migração”. Todos nós temos algo de migrante e de minoritário. Mesmo aqueles que nunca deixaram a sua terra natal, muitas vezes já não a reconhecem, o que se deve a esta característica da alma humana (afinal não só dos portugueses) naturalmente inclinada para a nostalgia e também à acelerada evolução que nos fez atravessar em 30 anos, o que outrora se passava em várias gerações.

A concepção tribal de identidade é a primeira a ser ameaçada pelos novos tempos. Se um migrante tiver de escolher entre a sua própria pátria e a de destino, vê-se condenado a trair uma das duas. Diz Maalouf que os imigrantes vivem diversos dilemas. Em relação ao país de origem sentem culpa por ter abandonado os seus, mas por outro lado, se deixaram a sua terra é porque havia motivos de rejeição. Em relação ao país de acolhimento, se por um lado, é uma terra de oportunidades, por outro, há uma apreensão pelo desconhecido, receio de se ser humilhado. Diz ele que o sonho mais secreto da maior parte dos migrantes é o de serem tomados por naturais desse país. A primeira estratégia que utilizam é tentar passar despercebidos, mas, à medida que percebem que tal não é possível, podem desenvolver frustrações, que desembocam em sentimentos de orgulho exacerbados, fanfarronice ou em contestação brutal.

O autor afirma que é neste domínio, o dos estados de alma dos migrantes, dos seus conflitos constantes, que as tentativas identitárias podem levar às “derrapagens mais mortíferas”. Diz ele que contra todas as tensões existentes entre população nativa e populações migrantes é preciso deitar um olhar de sabedoria e serenidade.

Em relação ao país de acolhimento diz existirem duas concepções extremas e radicalmente diferentes. Uma é a de que o país de acolhimento é uma página em branco em que quem chega não precisa de mudar nada nos seus gestos e hábitos, e outra é a de que a página já está escrita e impressa e que os imigrantes não têm outra alternativa senão adaptarem-se. Amin Maalouf é a favor de um consenso, mas, não sendo este possível, um código de conduta que proteja uns e outros do que chama “loucura” é aconselhável. Lança aqui dois conselhos a uns e outros:

“Quanto mais vos impregnardes da cultura do país de acolhimento mais o podereis impregnar com a vossa”.

“Quanto mais um imigrante sentir que a sua cultura de origem é respeitada, mais ele se abrirá à cultura do país de acolhimento”.

Em suma, a palavra-chave utilizada pelo autor é “reciprocidade”.

Para finalizar, dá como exemplo a polémica criada pelo uso do véu islâmico em alguns países. Embora pense que se trata de um comportamento passadista e retrógrado, que traz à tona o longo combate das mulheres árabo-muçulmanas pela emancipação, diz que a verdadeira questão não está no conflito entre arcaísmo e modernidade, mas sim em saber por que razão, na história dos povos, a modernidade é tantas vezes rejeitada e nem sempre entendida como um progresso e como uma evolução bem-vinda. A interrogação fica no ar como essencial para a reflexão sobre identidade.

Sem comentários: