6.8.11

Em Timor

Para aqueles que seguem este blogue, fica a nota de que, até Dezembro, podem seguir-me: aqui
Até depois!

24.4.11

Resumo “Identidades Assassinas” de Amin Maalouf (1998) – Quinta e Última Parte

Amin Maalouf termina o livro neste capítulo a que dá o nome “Domesticar a pantera”. O fenómeno da mundialização continua a ser aprofundado e o que o autor procura agora é entender de que modo a mundialização exacerba os fenómenos identitários e de que modo poderia ela torná-los menos assassinos.

Assim, considera fundamental que cada um se possa reconhecer na mundialização e que esta não seja apenas exclusividade dos Estados Unidos. É sublinhada aqui também a premência do princípio da “reciprocidade”, ou seja, o princípio de que cada um de nós tenha de adoptar elementos de culturas mais poderosas, mas que cada um também possa ver certos elementos da sua própria cultura serem adoptados por outros países e fazerem parte do património de toda a humanidade. Apesar de não duvidar que a mundialização pode ameaçar a diversidade cultural, de línguas, de modos de vida, Maalouf tenta ver o lado positivo, afirmando que também nos dá os meios para evitar que essas perdas ocorram.

A Internet é um desses meios, como espaço igualitário, que pode ser utilizado como instrumento de liberdade (exemplo dos jornalistas. Ver artigo "Os bloggers são jornalistas?"). Maalouf refere também os instrumentos de tradução que permitem que, mesmo que o Inglês seja predominante, a diversidade de línguas se alastre (hoje ainda mais, com ferramentas de tradução muito mais desenvolvidas, com a possibilidade de falar com pessoas em qualquer parte do mundo, de assistir a vídeos no Youtube, com as redes sociais, etc).

Este ponto sobre a diversidade de línguas é alvo de especial atenção por Maalouf (não fosse ele o criador da ideia de uma língua pessoal adoptiva. Ler: “Um desafio Salutar”). Por quê dar menos atenção à diversidade de culturas do que à diversidade de espécies animais e vegetais? Diz o autor que:

“O combate pela diversidade cultural será ganho quando estivermos prontos para nos mobilizarmos intelectual, afectiva e materialmente, a favor de uma língua ameaçada de desaparecimento, com tanta convicção como a que mostramos para impedir a extinção do panda ou do rinoceronte”.

Para Maalouf, a língua é um elemento da identidade pelo menos tão importante como a religião. Quando duas comunidades têm línguas diferentes não basta a religião para as unir. Por outro lado, a língua pode ser uma aliada da religião. O que é certo é que:

“Um homem pode viver sem uma religião, mas não pode viver sem uma língua”

A diferenciá-las está também o facto de a religião ser exclusiva e de a língua não, ou seja, pode saber-se falar mais do que uma. A língua é, não só um elemento da identidade, como também meio de comunicação e, se é desejo do autor que se separe a religião da identidade, separar esta da língua não lhe parece benéfico, pois é o eixo da identidade cultural e a diversidade linguística, Maalouf considera-a como eixo de toda a diversidade.

São estas duas funções das línguas, a identitária e a comunicacional que as distinguem. Hoje, o inglês responde à segunda, mas não responde à primeira (a não ser no caso dos falantes nativos, claro). Surge então a necessidade de ir mais longe. Entre a língua identitária e a global existe um espaço. Assim, Maalouf propõe uma terceira, uma em que cada indivíduo seja especialista, uma língua do coração, uma língua adoptiva ou língua privilegiada de comunicação. Esta seria uma forma de preservar a diversidade cultural, que o autor admite exigir algum voluntarismo.

Maalouf tenta delinear uma solução para satisfazer o desejo de identidade. Dá como exemplo alguns tipos de regimes que tentaram repartir o poder pelas várias comunidades: o caso falhado do Líbano, que implementou um sistema de quotas, e os regimes ditatoriais comunistas e nacionalistas. Conclui, então, que a escolha só pode estar no quadro da democracia. Mas há democracias e democracias. Um sistema de quotas levado ao absurdo ou um sistema que não respeita senão a lei dos números podem ser ambos muito perigosos. Diz o autor que qualquer prática discriminatória pode ser perigosa, mesmo quando exercida a favor de uma comunidade que sofreu discriminações. Não só se substitui uma injustiça por outra, como se reforça o ódio e a suspeição. Enquanto o lugar de uma pessoa numa sociedade depender de uma pertença está-se a perpetuar um sistema perverso, que só aprofunda divisões:

“O único objectivo respeitável é o de lutar para que cada cidadão seja tratado como um cidadão de corpo inteiro, quaisquer que sejam as suas pertenças”.

Passa então à crítica dos sistemas baseados na decisão das maiorias, como a lei do sufrágio universal, em que cada cidadão tem uma voz nas eleições, através do voto. O problema é que este sistema, exercido num clima de crise social aguda e de propaganda racista, pode conduzir à própria abolição da democracia. Dá como exemplos o da Alemanha nazi ou o do Ruanda. Neste país, os hutus representam nove décimos da população e os tutsis cerca de um décimo. Nos massacres de 1994, o extermínio dos tutsis pelos hutus veio acompanhado de argumentos como a defesa da democracia e de eliminação de uma casta de privilegiados. Assim,

“O papel das democracias já não é o de fazer prevalecer as preferências da maioria, mas sim o de fazer respeitar os direitos dos oprimidos, mesmo contra a força dos números”.

No caso da África do Sul, a utilização do slogan “Majority Rule” não significava querer substituir um governo branco por outro negro. O desejo de homens como Nelson Mandela era o de dar a todos os cidadãos, qualquer que fosse a sua origem, os mesmos direitos políticos e a liberdade de elegerem os dirigentes de sua escolha, independentemente da sua ascendência africana, europeia, asiática ou mestiça.

No entanto, para se considerar esta possibilidade seria necessário um processo eficaz de harmonização interna, de harmonização e de maturação, que cada um dos candidatos pudesse ser julgado pelos seus próprios concidadãos pelas suas qualidades humanas e pelas suas opiniões e não pelas pertenças que herdou. Em 1998, Maalouf dizia que escusado seria referir que não nos encontrávamos ainda nesse ponto, mas que nada proibia que um dia um branco fosse presidente da África do Sul e um negro presidente dos Estados Unidos…

23.4.11

Resumo “Identidades Assassinas” de Amin Maalouf (1998) – Quarta Parte

O terceiro capítulo, intitulado “O Tempo das Tribos Planetárias”, começa por falar do “Espírito do tempo”. Com esta expressão, Maalouf pretende dizer que em certos momentos da História, numerosas pessoas privilegiaram um elemento da sua identidade à custa de outros. Actualmente, esse elemento é a pertença religiosa e o autor pergunta por que será que hoje em dia esta afirmação parece natural e legítima. Um dos factores determinantes terá sido a queda do mundo comunista em que a ideia de Deus, segundo o modelo marxista, foi banida. Outro dos factores é a “crise” que afecta o Ocidente (esta crise reporta-se à época em que o livro foi escrito, note-se, e não há crise que vivemos em 2011).

Essa tal “crise” refere-se ao modelo ocidental, em crise porque se revela incapaz de resolver os problemas da pobreza nas suas metrópoles, incapaz de atacar o desemprego, a delinquência, a droga e tantos outros flagelos. No entanto, continua a ser o mais atraente e, diz o autor, não admira que um jovem que acaba de entrar para uma universidade do mundo árabe se sinta fascinado pelo Ocidente, quando outrora talvez se tivesse sentido atraído por uma organização marxizante. Mas qual a forma de aceder a esse mundo fascinante? Somente através da emigração. Assim, todos aqueles que continuam a viver à margem desse mundo em rápida mudança revoltam-se contra a corrupção, a arbitrariedade estatal, as desigualdades, o desemprego, a falta de horizontes e sentem-se tentados pelos movimentos islamitas (alguma semelhança com o que tem vindo a acontecer no norte de África?).

A ascensão do religioso explica-se então através destes dois factores. A juntar a estes dois, temos a evolução no domínio das comunicações e a “mundialização”. Sobre este fenómeno, Maalouf diz que tudo o que as sociedades forjaram no decurso dos séculos para marcar as suas diferenças, para traçar as fronteiras entre si e os outros, está a ser submetido a pressões que visam reduzi-las. A mundialização provoca uma reacção de reforço do sentimento de identidade e da necessidade de espiritualidade, e a pertença religiosa parece responder aos dois.

Mais do que responder aos dois responde também à exigência de universalismo. Maalouf introduz aqui o conceito de “tribos planetárias”, pelo seu conteúdo identitário e por ultrapassarem fronteiras. Mais uma vez, coloca uma questão: que outra pertença irá tornar esta pertença religiosa obsoleta?

Para começar, o autor diz ser necessário não só separar a Igreja do Estado, mas também, satisfazer de outro modo a necessidade de identidade. Separar a espiritualidade da necessidade de pertença, para que o homem possa praticá-la sem ter de se unir a um exército de correligionários.

Para substituir esta pertença, só outra mais vasta e portadora de uma visão humanista mais completa. Surge aqui novamente a “mundialização”. Se os meios de comunicação nos aproximam demasiado depressa e nos levam a afirmar as nossas diferenças, por outro lado, também nos podem fazer tomar consciência do nosso destino comum. Isto poderia levar à emergência de uma nova perspectiva de identidade como a soma de todas as nossas pertenças, na qual se destacaria a pertença à comunidade humana.

Ainda assim, no entender de Maalouf, alguns dos receios em relação à “mundialização” são perfeitamente justificáveis. Não os que se relacionam com o medo da mudança, mas sim aqueles que se revelam no medo da uniformidade. Se a mundialização traz a universalidade, traz também consigo a uniformidade.

Quanto à universalidade, é bem-vinda, pois considera que há direitos inerentes à dignidade do ser humano que ninguém deveria negar ao seu semelhante por causa da sua religião, cor, sexo, nacionalidade,… Ou seja, qualquer atentado aos direitos fundamentais dos homens e das mulheres em nome de uma tradição particular é contra o espírito da universalidade. Respeitar tradições ou leis discriminatórias, diz Maalouf, é desrespeitar as suas vítimas. E se devemos lutar pela universalidade, devemos também combater a uniformização, que é empobrecedora, que nivela as múltiplas expressões linguísticas, artísticas e intelectuais.

22.4.11

Resumo “Identidades Assassinas” de Amin Maalouf (1998) – Terceira Parte

Para responder à questão de por que razão o ocidente cristão conseguiu produzir sociedades respeitadoras da liberdade de expressão, enquanto o mundo muçulmano aparece agora como uma “cidadela do fanatismo”, Amin Maalouf reflecte sobre a relação entre povos e religiões, considerando exagerada a importância que se dá à influência das religiões sobre os povos, enquanto se negligencia a influência dos povos sobre as religiões. É nesta linha que surge a resposta. Diz o autor que se o cristianismo modelou a Europa, a Europa também modelou o cristianismo. As sociedades europeias transformaram-se ao longo dos tempos e transformaram também o cristianismo. Tal mudança não foi simples. A princípio, a Igreja resistiu sempre (basta ver o caso de Galileo), mas depois acabou por se adaptar. Se hoje o cristianismo é como é, foi porque a sociedade ocidental foi capaz de esculpir uma religião que a acompanhasse. Parece estar respondida a questão, quanto ao cristianismo.

Mas esta resposta serve também para o mundo muçulmano, pois a influência da sociedade sobre a religião não é característica apenas das sociedades ocidentais e do cristianismo, também se passou o mesmo com o Islão. Esta religião nunca foi a mesma de umas épocas para as outras nem de um país para outro. Do século VII ao século XV existiram grandes sábios e pensadores em diversas áreas, como a astronomia, a agronomia, a química, a medicina e as matemáticas. No mundo muçulmano esta religião era interpretada pelos seus seguidores num espírito de tolerância e de abertura.

Hoje será também o Islão um reflexo das sociedades que professam esta fé? Maalouf acredita que o facto de os muçulmanos atacarem violentamente o Ocidente não se deve a serem muçulmanos e o Ocidente ser cristão, mas, sobretudo, ao facto de serem pobres, dominados, ridicularizados e por o Ocidente ser rico e poderoso. Segundo o autor, estes movimentos não são um puro produto da história muçulmana, são o produto da nossa época, das suas tensões, das suas distorções, das suas práticas, das suas desesperanças:

“As sociedades seguras de si mesmas reflectem-se numa religião confiante, serena, aberta; as sociedades inseguras reflectem-se numa religião friorenta, beata e sobranceira”.

Ao fornecer esta perspectiva, pondo em evidência que, de facto, a sociedade modela a religião e não somente a religião modela a sociedade, Maalouf vai mais longe e acusa mesmo quem se recusa a admitir a primeira visão, não só de injusto, mas também de tornar os acontecimentos do mundo totalmente incompreensíveis. Diz ele que, se nos resignamos à ideia de que o Islão condena irremediavelmente os seus adeptos ao imobilismo, como estes constituem quase uma quarta parte da humanidade e jamais renunciarão à sua religião, o futuro do nosso planeta parece bem sombrio (note-se que o livro foi escrito antes do 11 de Setembro).

Se do século VII ao século XV o mundo árabe prosperou, a partir daí até ao século XIX andou a passo, enquanto, por sua vez, o Ocidente avançou rapidamente. Mais uma vez, o autor volta à questão: foi o cristianismo que modernizou a Europa? De certa forma, o que pretende é mostrar que, da mesma forma que não foi o cristianismo que modernizou a Europa, também não é o Islão que imobiliza os povos seguidores desta religião.
Respondendo à pergunta, mais uma vez o autor realça o facto de a Igreja também se ter oposto sempre, a princípio, à modernização. Foi necessário um impulso profundo, poderoso e contínuo a favor da mudança para que esta resistência se atenuasse e para que a religião se adaptasse. Maalouf considera todo este trabalho dos povos ocidentais, que todos os dias inventavam, inovavam e faziam tremer certezas, um acontecimento único na História. E lança uma outra questão: por que é que quando a civilização da Europa cristã tomou a dianteira todas as outras começaram a declinar? E responde: sem dúvida porque a humanidade tinha nesse momento os meios técnicos para um domínio planetário.

Hoje, o Ocidente está em todo o lado. Toda a modernização é, daqui em diante, ocidentalização. Embora haja monumentos e obras que trazem consigo a marca de civilizações específicas, tudo o que se criou de novo foi criado à imagem do Ocidente (discutível? Japão, Índia, China de hoje?). Mas esta realidade não é vivida da mesma forma pelos povos do Ocidente e pelos restantes, ou seja, pelos que pertencem à civilização dominante e pelos que pertencem às civilizações dominadas. Para estas, segundo Maalouf, a modernidade coloca-se em termos bastante diferentes. A modernização implicou constantemente o abandono de uma parte de si próprios. Embora tenha suscitado, por vezes, o entusiasmo, nunca se desenrola sem uma certa amargura, sem um sentimento de humilhação e de renúncia, sem uma profunda crise de identidade (será assim para todas as pessoas que pertencem a essas culturas?).
É possível assimilar a cultura ocidental sem renegar à sua própria cultura? É possível adquirir o conhecimento do Ocidente sem ficar à sua mercê? Maalouf expõe de forma mais detalhada o caso do Egipto, que apresenta como testemunho de que o mundo árabe sentiu desde muito cedo a necessidade de se modernizar. Primeiro conta a história de Muhammad-Ali, vice-rei do Egipto no século XIX, que modernizou o país, mas que foi travado pela Europa, sendo que a conclusão que os árabes tiraram deste episódio foi de que o Ocidente não quer ninguém que se lhe assemelhe, quer somente que lhe obedeçam.

Dá depois o caso de Nasser, presidente do Egipto entre 1956 e 1970. Nasser foi um ídolo para o mundo árabe-muçulmano e governou até morrer. A incapacidade de resolver certos problemas ligados ao subdesenvolvimento e as várias derrotas militares, nomeadamente a da Guerra dos Seis Dias, contra Israel, fizeram com que perdesse alguma da sua anterior credibilidade. Foi neste contexto que parte da população se predispôs a ouvir os discursos do radicalismo religioso e que surgiram os regimes radicais nos anos 70.

Maalouf utiliza estes exemplos, e mais alguns outros, para demonstrar que foram especialmente as expectativas goradas dos jovens, que primeiro acreditaram e depois deixaram de acreditar, a par da derrota do nacionalismo e do socialismo, que fizeram com que os árabes e muçulmanos tivessem enveredado pelo radicalismo religioso. Para o autor, essa nunca foi a primeira via, nunca foi a escolha espontânea. Para que tal acontecesse foi preciso que todas as outras se fechassem.

20.4.11

Resumo “Identidades Assassinas” de Amin Maalouf (1998) – Segunda Parte

No segundo capítulo, intitulado “Quando a modernidade vem do outro”, Amin Maalouf começa por colocar diversas questões, que julga serem comuns à maioria das pessoas, relacionadas com o mundo árabe: porquê o véu, porquê o arcaísmos e a violência, será tudo isto inerente a estas sociedade, será o Islão incompatível com a liberdade e com a democracia?

Relativamente a este tema, se, por um lado, não agrada ao autor o discurso feito de velhos preconceitos relativamente ao Islão, em que são tiradas conclusões definitivas relativamente a certos povos e à sua religião; por outro, também não lhe satisfaz o discurso daqueles que dizem que a religião muçulmana é a religião da tolerância e que tudo não passa de um mal-entendido.

Maalouf vai mais a fundo neste último ponto de vista e diz que, mesmo que uma doutrina não possa ser considerada responsável por algum acto repreensível cometido em seu nome, ela não pode, no entanto, ser considerada como totalmente estranha a tal acto. Consoante a interpretação que cada um faz da sua doutrina, assim a pode utilizar de determinada forma:

“Todas as sociedades humanas souberam encontrar, no decurso dos séculos, as citações sagradas que pareciam justificar as suas práticas do momento …. O texto não muda, o que muda é o nosso olhar. Mas o texto não age sobre as realidades do mundo senão através do filtro do nosso olhar. Olhar que em cada época se demora sobre certas frases e desliza por outras sem as ver”.

Dá o exemplo do “Não matarás” da Bíblia, que só passados dois ou três mil anos começou a ser aplicado à pena de morte (e não é em todo o lado, como se sabe). Será então o cristianismo tolerante, respeitador das liberdades, conducente à democracia? Se olharmos para a Inquisição, escravatura, sujeição das mulheres, factos que ocorreram ao longo de séculos, dir-se-ia que não. Então por que é que só no século XX o espírito democrático do cristianismo se revelou? O autor explica que esta exigência de democracia não foi algo que sempre tivesse existido na história do mundo cristão, mas, apesar de tudo, a democracia conseguiu instaurar-se nas sociedades de tradição cristã, embora de forma progressiva, incompleta e tardia.

Maalouf chama a atenção para que nenhuma doutrina é necessariamente libertadora e para que, se sobre estas questões quisermos deitar um olhar novo e útil, será necessário que não haja nem hostilidade, nem complacência, nem, sobretudo, condescendência.

O autor faz então uma pequena retrospectiva da história do Islão. Cinco anos após a morte de Justiniano, em 565, e a queda do Império Romano, nascia Muhammad Maomé. Este vazio deixado pela “grande Roma” permitiu, entre outras coisas, que as tribos da Arábia conseguissem, em algumas dezenas de anos, tornarem-se senhoras de um imenso território que ia de Espanha até às Índias. Tudo isto, diz o autor, de forma espantosamente ordenada, com um relativo respeito pelos outros e sem excessos de violência gratuita.

Esclarece então que percebe que servirá de pouca consolação saber que o Islão foi tolerante no século VIII, quando hoje se cometem crimes em seu nome. No entanto, o que o autor pretende não é defender nem o Islão, nem o Cristianismo. Aquilo por que se bate é contra a ideia de existência de uma religião – a cristã - que sempre defendeu o modernismo, a liberdade, a tolerância e a democracia, e outra – a muçulmana – votada desde sempre ao despotismo e ao obscurantismo. Diz o autor que isto é errado, é perigoso e ensombra toda a perspectiva de futuro de uma boa parte da humanidade. Aos seus olhos:

“Um crente é simplesmente aquele que crê em certos valores – que resumirei num único: a dignidade do ser humano”.

Nenhuma religião está desprovida de intolerância e o autor não pretende julgar ninguém, limitando-se, segundo ele, a constatar que houve no decurso da história muçulmana uma longa prática de coexistência e de tolerância a outras religiões. Porém, acrescenta:

“A tolerância não me basta. Não tenho desejo algum de ser tolerado, exijo que me considerem um cidadão de corpo inteiro, qualquer que seja a minha crença.”

Ao fazer a comparação entre os dois mundos, o cristão e o muçulmano, talvez se pudesse descobrir de um lado uma religião intolerante durante um longo tempo, que se transformou numa religião de abertura, de outro, uma religião que possuía uma vocação de abertura, mas que derivou para comportamentos intolerantes e totalitários. A questão, para o autor, está em saber por que tal aconteceu, ou seja, por que razão o ocidente cristão conseguiu produzir sociedades respeitadoras da liberdade de expressão, enquanto o mundo muçulmano aparece agora como uma “cidadela do fanatismo”.

19.4.11

Resumo “Identidades Assassinas” de Amin Maalouf (1998) – Primeira Parte

O autor, Amin Maalouf, é libanês, jornalista, vive em Paris desde 1976 e a maior parte do tempo dedica-a à escrita.

Neste livro, ele começa por falar, logo na introdução, da sua própria identidade. Mais francês? Mais libanês? Na realidade, ele sente-se libanês, francês, árabe e, também, cristão. São todas estas pertenças que formam a sua identidade. Logo aqui, na introdução, ele salienta o perigo que é querer fazer com que alguém tenha uma pertença mais profunda, porque isso reduz cada um a uma “essência” estabelecida de uma vez por todas à nascença e que nunca se alterará. No entanto, diz que nada nas leis e nas mentalidades actuais permite a alguém com pertenças tão distintas (fala do exemplo de um jovem filho de pais argelinos e nascido em França) “assumir harmoniosamente a sua identidade compósita”.

No capítulo I ele foca-se no conceito de identidade e previne que o objectivo do livro não é redefinir esta noção, mas sim “tentar compreender a razão pela qual tantas pessoas são levadas a cometer crimes em nome da sua identidade”.

Assim, começa por explicar (note-se que ele escreve cada capítulo como se de uma aula se tratasse) que a identidade é constituída por várias pertenças e, embora vários indivíduos possam ter as mesmas pertenças, por exemplo, pertencer ao mesmo clube, à mesma religião, ter nascido no mesmo país, etc., encontrar exactamente as mesmas pertenças em dois indivíduos é impossível e é isto que torna cada indivíduo singular.

De facto, cada indivíduo tem diversas pertenças e, embora nenhuma prevaleça de modo absoluto, quando uma delas é ameaçada, é essa que prevalece e quase parece que é a única que ele tem, a única que forma a sua identidade e, por ela, ele é capaz de se bater “ferozmente” contra os seus próprios correligionários. Dá vários exemplos, como o dos curdos e turcos, ambos muçulmanos, mas com línguas diferentes.

Refere o seu próprio caso. Como o facto de ser árabe e também cristão é uma situação muito minoritária e muito específica e nem sempre fácil de assumir. Diz ter sido determinante na vida dele, em muitas das decisões que tomou, nomeadamente, ter escrito este livro. Se por um lado, a língua o aproxima de uma boa parte da humanidade, a religião aproxima-o de outra. Ele diria que a língua e a religião separadamente o tornam próximo de metade da humanidade. As duas pertenças em conjunto tornam-no parte de uma minoria e confrontam-no com a sua própria especificidade. O mesmo acontece com o facto de ser libanês e francês. Esclarece que nasceu no seio da comunidade greco-católica, ou melquita, a qual reconhece a autoridade do Papa, mas continua fiel a alguns ritos bizantinos (ortodoxos). Esta é uma das razões que o fez não pegar em armas no Líbano para lutar pelo território ou pelo poder, o facto de pertencer a uma comunidade marginalizada.

Isto tudo para afirmar que os seres humanos não são todos semelhantes, mas sim diferentes entre cada um deles: um sérvio é diferente de um croata, mas cada sérvio é também diferente de todos os outros sérvios e o mesmo com os croatas. Deixa então um alerta para a importância das nossas palavras. Não é raro englobarmos as pessoas mais diversas no mesmo vocábulo (“os ingleses destruíram”, “os judeus confiscaram”), emitindo frios juízos de valor sobre determinada população, juízos que podem terminar em sangue.

Assim, as nossas palavras não são inocentes e contribuem para perpetuar preconceitos:
“Porque é o nosso olhar que aprisiona muitas vezes os outros nas suas pertenças mais estreitas e é também o nosso olhar que tem o poder de os libertar”.

No terceiro ponto do capítulo I começa por falar da identidade como construção. Ou seja, além de ser constituída por diversas pertenças, ela também se modifica ao longo do tempo. Os elementos da nossa identidade que existem logo à nascença são relativamente poucos e mesmo estes são vivenciados de forma diferente à medida que vamos crescendo. Dá o exemplo da diferença existente entre uma mulher que tenha nascido em Cabul ou de outra que tenha nascido em Oslo. Ambas são mulheres, mas a forma como vivenciam este aspecto da sua identidade é absolutamente diferente. Neste ponto, mais uma vez, utiliza uma frase quase poética:

“Cada um de nós deve desbravar um caminho entre as vias para onde nos empurram e aquelas que nos proíbem ou cujo terreno minam sob os nossos pés; nenhum de nós é à partida um ser único; não nos contentamos em tomar consciência da nossa identidade, tornamo-nos o que somos; adquirimos essa consciência passo a passo”.

Nós somos um conjunto de pertenças, mas estas não se sobrepõem, fundem-se. Se se tocar numa é toda a pessoa que mexe. Mais uma vez, foca o facto de nos reconhecermos mais numa das pertenças quando essa é atacada. E se não a defendemos, o desejo de vingança fica guardado dentro de nós. Este desejo de afirmação é utilizado por alguns, a que ele chama, os condutores, que o utiliza de forma mais ou menos calculista, inflamando todo um grupo, que fica assim preparado para a guerra, que segundo esse grupo é merecida. Ficam assim justificados todos os crimes, vinganças e humilhações. Amin Maalouf tenta demonstrar a existência de um potencial assassino dentro de cada um de nós, como sob certas condições nos podemos tornar criminosos e cometer as maiores atrocidades, sentindo legitimidade para o fazer com o argumento de defesa da nossa identidade. Esta é a razão pela qual o autor utiliza a designação “identidades assassinas”.

A acrescentar a esta falsa legitimidade para cometer crimes, o autor acrescenta a complacência com que ainda são vistos, por exemplo, os massacres étnicos como algo “lá entre eles”, inevitável, inerente à condição humana. Esta concepção tribal de identidade é, segundo Maalouf, aquela que ainda prevalece no mundo inteiro. Como contraponto realça que, embora muitas concepções inaceitáveis nos dias de hoje se tivessem mantido ao longo de séculos, as mentalidades podem mudar e ideias novas têm vindo a conseguir impor-se, pelo menos em certas partes do mundo. Por exemplo, a ideia de que as mulheres devem ter os mesmos direitos do que os homens.

Assim, como “solução” Amin Maalouf fala da urgência de uma nova concepção de identidade. Diz ele que não se pode exigir a milhões de seres humanos que escolham entre a afirmação excessiva da sua identidade e a sua total perda, entre a negação de si mesmos e a negação do outro. Esta nova concepção de identidade favoreceria o encorajamento da assumpção de pertenças múltiplas, a possibilidade de conciliar a necessidade de identidade com uma abertura franca e descomplexada a culturas diferentes.

Para terminar este primeiro capítulo, Amin Maalouf, aprofunda o tema “migração”. Todos nós temos algo de migrante e de minoritário. Mesmo aqueles que nunca deixaram a sua terra natal, muitas vezes já não a reconhecem, o que se deve a esta característica da alma humana (afinal não só dos portugueses) naturalmente inclinada para a nostalgia e também à acelerada evolução que nos fez atravessar em 30 anos, o que outrora se passava em várias gerações.

A concepção tribal de identidade é a primeira a ser ameaçada pelos novos tempos. Se um migrante tiver de escolher entre a sua própria pátria e a de destino, vê-se condenado a trair uma das duas. Diz Maalouf que os imigrantes vivem diversos dilemas. Em relação ao país de origem sentem culpa por ter abandonado os seus, mas por outro lado, se deixaram a sua terra é porque havia motivos de rejeição. Em relação ao país de acolhimento, se por um lado, é uma terra de oportunidades, por outro, há uma apreensão pelo desconhecido, receio de se ser humilhado. Diz ele que o sonho mais secreto da maior parte dos migrantes é o de serem tomados por naturais desse país. A primeira estratégia que utilizam é tentar passar despercebidos, mas, à medida que percebem que tal não é possível, podem desenvolver frustrações, que desembocam em sentimentos de orgulho exacerbados, fanfarronice ou em contestação brutal.

O autor afirma que é neste domínio, o dos estados de alma dos migrantes, dos seus conflitos constantes, que as tentativas identitárias podem levar às “derrapagens mais mortíferas”. Diz ele que contra todas as tensões existentes entre população nativa e populações migrantes é preciso deitar um olhar de sabedoria e serenidade.

Em relação ao país de acolhimento diz existirem duas concepções extremas e radicalmente diferentes. Uma é a de que o país de acolhimento é uma página em branco em que quem chega não precisa de mudar nada nos seus gestos e hábitos, e outra é a de que a página já está escrita e impressa e que os imigrantes não têm outra alternativa senão adaptarem-se. Amin Maalouf é a favor de um consenso, mas, não sendo este possível, um código de conduta que proteja uns e outros do que chama “loucura” é aconselhável. Lança aqui dois conselhos a uns e outros:

“Quanto mais vos impregnardes da cultura do país de acolhimento mais o podereis impregnar com a vossa”.

“Quanto mais um imigrante sentir que a sua cultura de origem é respeitada, mais ele se abrirá à cultura do país de acolhimento”.

Em suma, a palavra-chave utilizada pelo autor é “reciprocidade”.

Para finalizar, dá como exemplo a polémica criada pelo uso do véu islâmico em alguns países. Embora pense que se trata de um comportamento passadista e retrógrado, que traz à tona o longo combate das mulheres árabo-muçulmanas pela emancipação, diz que a verdadeira questão não está no conflito entre arcaísmo e modernidade, mas sim em saber por que razão, na história dos povos, a modernidade é tantas vezes rejeitada e nem sempre entendida como um progresso e como uma evolução bem-vinda. A interrogação fica no ar como essencial para a reflexão sobre identidade.