30.4.07

Transcrição da Entrevista com Helena de Sousa Freitas - Sigilo Profissional em Risco

Esta entrevista já foi colocada em dois posts anteriores.
No entanto, devido a que a audição esteve indisponível durante algum tempo, coloco agora a transcrição da entrevista, na íntegra.

IB: Hoje entrevistarei Helena de Sousa Freitas, autora do livro “Sigilo Profissional em Risco”.


O livro retrata a polémica condenação do jornalista Manso Preto, que, ao abrigo do sigilo profissional, em 2002 se recusou a revelar ao tribunal a sua fonte, numa peça sobre tráfico de droga. Entre outras coisas, o livro analisa também processos similares, envolvendo jornalistas portugueses e estrangeiros.


Helena, o sigilo profissional dos jornalistas estará mesmo em risco? Porquê?


HSF: Eu considero que sim, que está mesmo em risco, porque, de acordo com a investigação que eu fiz, nos últimos anos tem vindo a registar-se, cada vez mais, talvez devido à guerra ao terrorismo, do pós Onze de Setembro, o uso de escutas, vídeo-vigilância, buscas nas redacções e intercepção postal, inclusivamente (conhecida por violação de correspondência). Isto em todo o Mundo, afectando dezenas de jornalistas nos mais diversos países. Estamos a falar desde Estados Unidos, que tem tido os casos mais mediáticos, mas também Reino Unido, Irlanda, Paraguai, Austrália, Bélgica, Canadá, Etiópia, Nepal, França. Tem afectado jornalistas um pouco por todo o Mundo. Ao todo, dos números que eu consegui recolher, praticamente uma centena, pelo menos.


IB: Em que medida é que isto pode afectar o jornalismo de investigação?


HSF: Eu penso que pode afectar o jornalismo de investigação, na medida em que as fontes começam a ter receio de falar com os jornalistas. Este tipo de medidas, de escutas, de intercepção postal, de buscas, acaba por inspirar medo, sobretudo nas fontes e, sem fontes confidenciais, não há jornalismo de investigação em áreas como a política, como a economia, como a justiça, como o crime. Isto porque são áreas em que, por vezes, é preciso pegar em assuntos muito delicados, em matérias muito sensíveis e as fontes só podem falar com os jornalistas se souberem que não vão ter de dar o rosto, que não vão ter de dar o seu nome. Muitas vezes isto significa não só risco de perder o emprego, mas também perigo de vida, quer para a fonte em si, mas também para familiares, para pessoas das suas relações. É isto também que o sigilo das fontes procura salvaguardar, que as pessoas possam falar sem sofrer represálias pelos factos que apresentam ou que fazem chegar aos jornalistas.


IB: O principal caso que é apresentado no livro é o do jornalista Manso Preto.


Só para dar um enquadramento, já que para a classe jornalística é sobejamente conhecido, mas para o público em geral pode não ser, apresento um resumo:


“Este caso teve início quando o jornalista Manso Preto, na sequência de reportagens sobre civis infiltrados pela polícia judiciária em redes de tráfico de droga, que publicou no semanário Expresso no início de 2002, foi arrolado como testemunha pelo advogado de defesa dos irmãos Jaime e Mário Pinto. Estes camionistas ficaram conhecidos por terem liderado o bloqueio contra o aumento do preço das portagens na ponte 25 de Abril, em 1994. Depois foram envolvidos num caso de narcotráfico, do qual terá resultado, em Outubro de 2000, a apreensão de quatro toneladas de haxixe. Os trabalhos publicados pelo jornalista punham em causa a fronteira entre as acções infiltradas legalmente e as acções infiltradas provocadas. Estas últimas são proibidas por lei e já conduziram à inutilização de provas e, consequentemente, à anulação de julgamentos e absolvição dos arguidos.


O advogado dos irmãos Pinto, alegando que estes tinham sido alvo de uma cilada por parte da PJ, considerou que o jornalista, pelos conhecimentos que demonstrava nas reportagens podia dar um testemunho valioso e foi aí que o arrolou como testemunha.


O jornalista Manso Preto foi testemunhar no processo, em 2002, e é nessa altura que ele acrescenta que um inspector da PJ, entretanto aposentado, mas que à data exercia funções de chefia no departamento de combate ao tráfico de droga, o informara que o caso dos irmãos Pinto era uma encenação, uma acção provocada pela PJ de Setúbal, como tantas anteriores.


Foi perante afirmações destas que a magistrada quis conhecer o nome desse tal inspector, mas o jornalista recusou-se a dizer.


Perante a manutenção da recusa, o jornalista viria a ser condenado a onze meses de prisão com pena suspensa por três anos. Manso Preto não chegou a cumpri-los, mas foi sensivelmente esse o tempo que esperou pela resposta ao recurso da sua defesa e na sequência do qual foi absolvido do crime de desobediência, em 2005.”


Portanto, é aqui que entra o sigilo profissional. O jornalista Manso Preto decidiu optar por proteger as fontes. Neste caso, e em todos os casos de sigilo profissional, isto é um direito ou é um dever do jornalista?


HSF: É um direito e é um dever. Como direito está consagrado na Constituição, é o artigo 308.º. Está também consagrado na Lei de Imprensa, é o artigo 302.º. E, nos Estatutos do Jornalista, era o artigo 6.º (agora com as alterações, não sei se ficará com o mesmo número).


Como dever, figura no Código Deontológico dos Jornalistas, é o ponto 6.


Portanto, ele tem estas duas características, de ser um direito e de ser um dever. Por vezes, ouve-se falar que é apenas um dever e que, portanto o jornalista pode ter de ceder com mais facilidade, porque o que está inscrito na Lei são direitos. Mas, neste caso, ele é também um direito. Pessoas que surgem com este argumento (de que é somente um dever) não têm conhecimento. É um direito e está salvaguardado a três níveis (Constituição, Lei de Imprensa e Estatutos do Jornalista).


IB: Um dos principais factores que leva os jornalistas a quebrar o sigilo profissional é o segredo de justiça (e foi neste âmbito que, no caso Manso Preto, foi levantado o sigilo profissional). Não se estará a utilizar os jornalistas, não só neste caso, mas em todos os casos onde isso acontece, como instrumento auxiliar à investigação, em vez de ser o próprio aparelho judicial a fazer essa mesma investigação?


HSF: No caso do Manso Preto eu já o tenho dito e continuo convicta disto, acho que a justiça quis poupar tempo e esforço e explico por que é que tenho esta posição. Porque o Manso Preto, exceptuando o nome do ex-inspector da Polícia Judiciária, deu um manancial enorme de informação. Ele disse que era um ex-inspector que estivera na chefia do combate ao narcotráfico em Setúbal. Ora, perante todas estas informações, quantas pessoas é que caberiam neste perfil. Eram três, quatro, cinco no máximo. Não estou a ver mais do que isso. Portanto, se a questão era também chamar essas pessoas a tribunal como testemunhas, tal como ele também foi arrolado, e ninguém se pode furtar a comparecer a uma situação dessas, logo poderiam ouvir o que os vários inspectores, que correspondiam a este quadro de características, tinham a dizer. Por exemplo, esta era uma opção. Por que é que o Manso Preto tinha de falar? Portanto, houve aqui um certo “braço-de-ferro”.


IB: Quando um tribunal pondera a necessidade de quebra de sigilo profissional dos jornalistas, pelo menos nos casos apresentados no livro, pede sempre um parecer ao Sindicato dos Jornalistas. Não é óbvio que o Sindicato se vai sempre pronunciar desfavoravelmente à quebra do sigilo profissional?


HSF: Em todos os casos que eu encontrei no meu período de estudo, o Sindicato pronunciou-se contra a quebra do sigilo, em todos eles. Mas eu acredito que um dia ele possa tomar outra posição, dependendo do caso em questão.


Tentei perceber por que é que isto acontecia, quando fui consultar a documentação e vi que o Sindicato se tinha sempre pronunciado contra. Também falei com pessoas do Sindicato acerca disto e a conclusão a que cheguei foi que a posição do Sindicato se deve ao facto de esta entidade achar que a relação de confiança entre a fonte e o jornalista só deve ser quebrada em caso de muita gravidade e após esgotadas todas as hipóteses de chegar às fontes por outros meios. Aliás, é até o que está previsto na Lei. O jornalista será instado a revelar a fonte só mesmo se não houver nenhuma outra possibilidade de se chegar à fonte por um outro caminho.


A conclusão a que me parece que o Sindicato chegou é que não tinham sido feitos todos os esforços para se chegar a essa informação sem ter de colocar o jornalista a falar e daí se ter sempre pronunciado contra a quebra do sigilo.


IB: E neste caso específico?


Para mim, num caso como o do Manso Preto, parece-me flagrante que houve uma falta de investimento num caminho alternativo. Houve uma grande insistência em que o Manso Preto falasse e uma insistência menor em encontrar um caminho alternativo para chegar à fonte. No caso dele é flagrante, porque me parecia bastante fácil conseguir ir, pelo menos, por um trilho alternativo. Tentar esse caminho! Não insistir com o Manso Preto com uma insistência que se prolongou. Ele foi várias vezes instado a falar. Perguntaram-lhe se não queria mudar a posição dele, se ele já tinha pensado bem. E ele disse sempre que não, que não dizia.


IB: Os jornalistas têm essa função social de fazer chegar a informação à comunidade. Como é que o levantamento do direito à protecção das fontes, do sigilo, pode pôr em causa o acesso do público à informação? De que forma é que poderá haver uma imprensa livre se as fontes não puderem confiar nos jornalistas?


HSF: Não pode existir uma imprensa livre e aí é que o problema se coloca. Para mim, o aspecto mais grave da questão é, precisamente, esse. Se as fontes não puderem falar com os jornalistas por receio de que o jornalista, pressionado pelo tribunal, revele o seu nome, se souberem que há este risco, o jornalista acaba por não ter acesso a determinadas informações, sobretudo em dossiers mais delicados. O público sai, assim, como o principal perdedor no final dessa cadeia. A fonte retrai-se, porque tem medo de um dia ser revelada, e não dá informação; o jornalista não tendo acesso, não divulga, e quem perde no final disto tudo é o público, que é o destinatário final da informação.


O jornalista é apenas o intermediário, ele não quer a informação para si, quer informação para divulgar. A partir do momento em que o primeiro elo da cadeia se corta ou deixa de existir, que é a tal revelação da informação ao jornalista, o jornalista não tem o que informar e o público não recebe informação.


IB: O jornalista fica então numa posição muito difícil… No caso descrito no livro, da jornalista americana Judith Miller, ela no início teve o apoio até da comunidade internacional, por não ter revelado as fontes. Após a sua libertação (ela foi mesmo presa) chegou a ser acusada de desenvolver trabalho ao serviço das fontes e da agenda política norte-americana. Como é que um jornalista pode ou deve lidar com uma situação destas. Por um lado, tem de proteger a fonte, por outro, tem de defender a credibilidade da sua classe e, por outro, tem de obedecer à justiça?


HSF: Aqui, as duas primeiras, ou seja, o jornalista ter de proteger a fonte e defender a credibilidade da classe, penso que se podem interligar. De certa forma, ao proteger uma fonte confidencial, o jornalista está a defender a credibilidade da sua classe. O contrário seria se ele falasse, porque aí não era só ele que era prejudicado. Passava a ser visto como um delator e, provavelmente, era o fim da sua carreira. Estaria a pôr em risco a confiança geral do público e de eventuais fontes na classe, como um todo. Portanto, a credibilidade ficava mais em risco se, no caso de Judith Miller, tivesse divulgado uma fonte que lhe tinha pedido o anonimato. Aqui a protecção da fonte, de certa forma, também defende a credibilidade da classe.


O que pode sempre acontecer, e aconteceu no caso dela, é que ocorreram ataques, suspeitas, que, a partir do momento em que o jornalista prefere o silêncio, terá sempre de suportar. Até uma certa maledicência, porque às vezes a coragem também incomoda. São consequências que um jornalista tem de carregar se optar pelo silêncio. Por um lado, eu acho que ele está a prestigiar a classe, por outro lado, é claro que dentro da classe e fora dela podem sempre levantar as questões de “Por que é que ele não fala? Será só uma questão de preservar o anonimato e de manter essa relação de confiança ou há algo mais que o jornalista está a ocultar, a esconder?”. Isto é algo com que o jornalista vai ter de lidar, se optar por manter o silêncio. Assim como, se decidir falar, há certamente outras avaliações que vão ser feitas. “Por que é que falou? Por que é que não guardou o sigilo? Já sabia que, quando prometeu o sigilo, um dia poderia ser instado pelo tribunal. Não pensou nisso na altura?”. Portanto aqui, coitado, “seria preso por ter cão e preso por não ter”, que até é uma expressão que o Manso Preto utiliza.


IB: E para conciliar as três situações?


Já mais difícil é conciliar a protecção das fontes, com a credibilidade da classe e com o obedecer à justiça. Sobretudo, se a justiça não for sensível aos direitos dos jornalistas e, por vezes, o que me parece que acontece é que o direito ao sigilo profissional, apesar de estar consagrado na Constituição, na Lei de Imprensa e nos Estatutos dos Jornalistas nem sempre terá um grande peso no âmbito judicial, quando os juízes têm de avaliar determinadas situações que envolvem jornalistas.


IB: Para finalizar, um dos fenómenos que foi abordado no livro é um relativamente recente, que é o dos bloggers. Sendo uma realidade nova, como é que se pode garantir aqui a protecção das fontes? Porque num blogue pode escrever-se o que se quiser. Dever-se-á criar um estatuto do blogger, à semelhança do dos jornalistas?


HSF: Este é um bom tema para debate. Eu gostei especialmente de escrever este capítulo do livro. Nós, em Portugal, temos uma imprensa livre. O jornalista pode cumprir as suas funções. As funções do jornalista não estão em causa em Portugal e, por isso, eu penso que, em Portugal, esta questão dos bloggers terem o mesmo estatuto dos jornalistas, o mesmo direito à protecção das fontes, talvez não se coloque. Se temos um jornalista que faz essa função, passarmos a ter um blogger com o mesmo estatuto, eventualmente levantava problemas aos profissionais que exercem o jornalismo e, provavelmente, junto do público não seria muito bem recebido.


Mas eu quis avançar com esta questão, sobretudo, porque, como estive a fazer o estudo também no plano internacional, chamou a minha atenção situações como existem, por exemplo, no Irão, na China e noutros países, em que os jornalistas estão, de certa forma, amordaçados. E o que acontece aí? Acontece que há bloggers que acabam por assumir a função que caberia aos jornalistas, se estes pudessem trabalhar livremente. É, sobretudo, em relação a estes países que me parece importante ponderar, dar algo mais aos bloggers. Dar-lhes talvez um estatuto mais próximo daquele que os jornalistas têm num país livre. Isto porque, de certa forma, eles acabam, em certas circunstâncias, por fazer as funções dos jornalistas, porque não há uma liberdade de imprensa.

10.4.07

Entrevista com Hugo Garcia Sobre a Problemática do Aquecimento Global


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O Hugo Garcia é membro do Movimento Liberal Social (MLS) e tem-se dedicado, ultimamente, a investigar os fenómenos das alterações climáticas e do aquecimento global. Esta investigação tem sido feita quer no âmbito daquilo que é defendido pelo movimento ao qual pertence, quer por seu próprio interesse na matéria.

Decidi entrevistá-lo, apesar de ele não ser um perito na matéria, porque com os seus conhecimentos, pode dar-nos, de uma forma sintética e clara, algumas explicações sobre esta problemática ambiental.



IB: Hoje tenho comigo o Hugo Garcia do MLS – Movimento Liberal Social – e é com ele que vou falar sobre a problemática das alterações climáticas e do aquecimento global.
Nas últimas semanas, temos ouvido falar muito sobre estas questões, também por causa do filme do Al Gore. Porquê agora o levantamento desta “celeuma” a propósito do aquecimento global?


HG: Já há algumas décadas que se tem vindo a falar sobre a problemática do aquecimento global. O que tem acontecido é que, nos últimos anos, o que antigamente eram previsões tem vindo a realizar-se. Havia também muitas dúvidas sobre se, efectivamente, seria a mão a responsável pelo aquecimento global e pelas alterações climatéricas e, cada vez mais, há certezas.
O Al Gore já há décadas que estuda o problema. Quando era vice-presidente, durante a administração Clinton, já vinha a chamar a atenção e, desde então, tem-se preocupado cada vez mais em fazê-lo. Agora aproveitou o “timing” certo para lançar este grande aviso. Aconselho toda a gente a ler o livro ou a ver o filme.

IB: Falámos em alterações climáticas e em aquecimento global. Qual é a diferença?

HG: Como o próprio nome indica, o aquecimento global refere-se à subida média da temperatura. Mas, as consequências dessa subida média da temperatura não são iguais no planeta inteiro. O que pode acontecer é, inclusivamente, em certos pontos a temperatura descer. Pode também haver alterações climáticas de outras ordens, como alterações de correntes e de ventos. Têm havido vários casos de ciclones que, à partida, estarão ligados com o aquecimento global.

IB: Por exemplo, o caso da neve em Portugal, em 2006?

HG: Sim, quando no nosso país houve neve de norte a sul; agora, mais recentemente, as cheias em Moçambique; no continente americano muitos casos de ciclones e tufões; ou as subidas da temperatura no norte da Europa.

IB: O que está na origem do aquecimento global?

HG: O aquecimento global resulta daquilo que se chama “efeito de estufa”. O nível de dióxido de carbono e de metano ao longo das últimas décadas, ou até dos últimos séculos, desde a Revolução Industrial, tem vindo a aumentar. O dióxido de carbono e o metano fazem com que mais energia do Sol se retenha na superfície terrestre e daí o aquecimento global.

IB: Por que razão o dióxido de carbono e o metano aumentaram?

HG: O elemento comum entre estes dois gases é o carbono. O dióxido de carbono é composto por oxigénio e carbono e o metano é constituído por hidrogénio e carbono. O oxigénio e o hidrogénio não são problemas, mas o carbono, neste caso, é um problema. Por outro lado, nós somos feitos de carbono, somos formas de vida baseadas em carbono, assim como as plantas e os animais. O que acontece é que há um desequilíbrio. O equilíbrio era que nós, seres-humanos, respirávamos oxigénio transformando-o em dióxido de carbono e as plantas “respiravam” o dióxido de carbono transformando-o em oxigénio. Neste momento, devido à desflorestação, à redução da fauna a nível superficial e a nível aquático e, essencialmente, devido à extracção de petróleo e à sua combustão, tem aumentado o nível de dióxido de carbono.

IB: E quanto ao metano, é verdade que a flatulência das vacas produz metano? Vamos eliminar as vacas ou existe outra explicação?

HG: Isso é uma questão engraçada que anda sempre à volta do tema, mas esse não é um dos grandes problemas. O metano libertado pelas vacas não está a ser acrescentado ao circuito, ou seja, mantém-se dentro do mesmo ciclo, ao contrário do petróleo, que é extraído do subsolo e, portanto, é acrescentado à superfície. As madeiras que, por exemplo, queimamos nas nossas casas também libertam metano, mas se continuarmos sempre a cuidar das nossas florestas, a quantidade de carbono no ar não está a aumentar e, portanto, isso não resulta num problema.

IB: E para o futuro? Hoje existe uma consciência global ou, pelo menos, tenta-se que haja essa consciência global em relação ao aquecimento. Por que razão não há consenso no que diz respeito ao Protocolo de Quioto?

HG: Desde 1972 que a quase totalidade dos países e dos seus governantes concordaram que era necessário haver uma preocupação, tomarem-se medidas para proteger o ambiente. Em 1999 chegou-se à conclusão, talvez pelas características típicas dos políticos, que dizer que se concorda com essa ideia não se reflecte em acções tomadas. No Direito Internacional existe um princípio que diz que nenhum país deve ser obrigado a cumprir um acordo que não tenha ratificado. Foram vários os países que não assinaram o Protocolo de Quioto. O exemplo flagrante é, obviamente, os Estados Unidos, porque são o grande poluente. Agora estão a surgir novos poluentes, como a China e a Índia, que, numa corrida para o desenvolvimento, têm muito menos cuidado, muito menos preocupação e também não tiveram uma educação para a população para este problema. Naturalmente são pessoas que têm outras prioridades e que mais dificilmente que nós se preocuparão com o ambiente. A Europa está a fazer um grande esforço para conter as suas emissões e, até no sentido da florestação, para conseguir planear para o equilíbrio, embora seja difícil.

IB: Mas os países nórdicos sempre foram conhecidos por terem essa preocupação com a protecção ambiental. Portanto, esse esforço já não é só de hoje, vem de há muitos anos, enquanto para países como a China, que nunca tiveram esse tipo de preocupações, pelo menos na era da industrialização, é uma novidade, portanto só agora é que vão começar a tê-las?

HG: Sim, eu diria até que podemos ver o desenvolvimento intelectual ou moral de um país pela forma como se preocupa com o ambiente, será um dos muitos factores. Gostava de chamar a atenção para que, no caso dos Estados Unidos, não se pode dizer que em lado nenhum se respeite o Protocolo de Quioto. Embora não tenham assinado, curiosamente foi um senador da Califórnia que, na Califórnia, não tendo assinado, consegue cumprir com os valores que lhe teriam sido impostos se tivesse aceitado o Protocolo de Quioto.

IB: E para o futuro, o que poderá ser feito para controlar as alterações climáticas e o aquecimento global?

HG: A nível de cada país, é controlar os níveis de emissões, especialmente na indústria, e também nos transportes individuais, e é necessário um grande esforço de florestação. Conseguir estas metas a nível internacional é que será o mais complicado. Vai ser um trabalho de diplomacia, um trabalho de negociações, um trabalho de informações e até de ajudas. A ONU está a evoluir muito nesse campo. Está a ajudar países mais pobres a desenvolverem-se de forma sustentada e, de forma preocupada com o futuro, ajuda também a criar políticas. Daqui para a frente, será como que um jogo de puxa e empurra, um jogo de política, um jogo de negociações para ver de que forma é que todos nós, que estamos no mesmo barco, conseguimos proteger o planeta em que habitamos.

Esta entrevista é parte integrante do programa Vidas Alternativas transmitido na semana de 16 de Abril.