2.8.07

Perfil de Rui Horta, Coreógrafo - 2ª Parte


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Dos dez anos de Alemanha, houve uma nova crise em 1997. Mas houve também a criação de outra companhia, o Rui Horta Stageworks, que ainda existe hoje e com a qual assina, para diferenciar do Espaço do Tempo, o espaço multifuncional criado em Montemor. Chama-se Stageworks, porque com esta companhia não faz apenas dança. Faz instalação, artes plásticas, multimédia, teatro, ópera e artes de palco. Os anos em que esteve na moda passaram. O Thèâtre de la Ville foi seu co-produtor. “É o teatro mais importante em toda a Europa, talvez em todo o mundo. É o teatro mais importante em todo o mundo e eu fui co-produzido pelo Thèâtre de la Ville durante seis anos, entre 93 e 99. Ganhei em 92 o concurso Bagnolet, que é uma espécie de Óscares da dança.”

Para Rui Horta os prémios significaram sempre uma surpresa muito grande. “Quando eu ganho Bagnolet nem acredito. Depois é que me apercebi que havia 400 coreógrafos e eu ganhei. 400 coreógrafos do mundo inteiro e tu não percebes. Nem chegas a perceber. Ganhaste, pronto! No dia seguinte vais a casa dos teus amigos ou vais jantar fora”. A surpresa foi ainda maior talvez porque não foi Rui Horta a candidatar-se ao prémio. Foi um conjunto de catorze teatros alemães que se juntou e que o candidatou a representante alemão em 1991. Rui Horta só soube quando recebeu uma carta com o pedido de autorização. Ainda em Portugal, em 1989, tinha-se candidatado com o “Interiores”, uma obra de que gosta muito, e nem sequer chegou a passar a primeira eliminatória de escolha. “Por aqui se vê que quando a gente quer uma coisa, não tem nada, quando a gente não quer nada tem uma coisa. A vida é uma coisa misteriosa”.

Para Rui Horta não existe óptica de carreira na profissão. Há um percurso. “Todos os dias levantas-te e fazes aquilo que sabes e gostas. Cada dia é um dia novo, é um dia ‘jubilatório’”. Agora, que está mais velho, acontece-lhe mais frequentemente levantar-se de manhã e dizer “Que bom, tou vivo. Vou fazer o que me apetece durante o dia. Tenho umas coisas chatas para fazer pelo meio, mas vou fazer deste dia um dia bestial”.

Se lhe perguntar quem foram as pessoas mais marcantes neste seu percurso, Rui Horta tem-nas bem presentes. A primeira foi uma professora muito importante na sua vida, Vanda Ribeiro da Silva, que lhe ensinou os primeiros passos da dança clássica na Fundação Gulbenkian. “Eu tinha 16 anos e caiu o fascismo. Foi uma coisa extraordinária, libertaram-se imensas tensões sociais e eu libertei o meu corpo também.” Noutra conjuntura talvez tivesse sido arquitecto. Na prática, acabou por ser um coreógrafo. Antes disto, após ter frequentado os cursos pré-profissionais, percebeu que não iria dançar no Ballet Gulbenkian. “Não tinha aquele corpo perfeito de bailarino clássico, que naquela altura era muito importante”.

Na alma ainda continua arquitecto. “Eu faço arquitectura com o “Corpus”, eu crio luz, eu crio cenografias. Vês o meu palco? É um palco de arquitectura. Não tem nada a ver com abrir a cortina e fazer uma dança. Eu sempre trabalhei com linguagens cénicas, com linguagens espaciais”.

O 25 de Abril abriu-lhe horizontes extraordinários, ficou fascinado com a liberdade, com as possibilidades de viajar. Foi aqui que surgiu Maria Ângela de Sousa, uma pessoa que foi um instrumento fundamental na sua vida. Cientista e imunologista, vivia nessa altura em Nova Iorque. Quando a mãe de Rui Horta faleceu, em 1978, com apenas 21 anos, Maria Ângela pôs-lhe a chave de sua casa nas mãos e ele foi para Nova Iorque. Pensou em ficar três meses, mas acabou por ficar seis anos. “Foi um tempo fantástico. Tudo é possível. Tive 40 mil empregos. Era filho de professores catedráticos e entreguei pizzas ao domicílio, fiz limpezas de apartamentos, dei aulas nos sítios mais escabrosos, trabalhei como garçon num restaurante. Fiz todos os trabalhos e mais alguns e, a certa altura, comecei a ser reconhecido como professor”. De facto, Rui Horta foi para os Estados Unidos para dançar, mas nos últimos anos era já um professor de referência em Nova Iorque, “talvez um dos professores mais importantes de dança moderna em Nova Iorque”.

Foi também em Nova Iorque que conheceu a sua mulher, actualmente ex-mulher, “minha grande companheira, minha grande amiga. Foi durante 15 anos minha mulher, da qual tenho 3 filhos maravilhosos”. Esta era psico-terapeuta, mas tinha uma formação de bailarina. Nessa altura dançava e foi a Nova Iorque nas férias de Verão para fazer uma “reciclagem”. Rui Horta tinha pessoas do mundo inteiro a trabalhar consigo, “conheci muita gente e conheci-a a ela”.

Este percurso profissional como professor vai desde 1982/83 até 1989/90. “Nunca diria a ninguém que sou bom coreógrafo. Mas se me perguntarem se sou um bom pedagogo, eu sou um excelente professor. Fui um excelente professor e formei bailarinos muito bons, tanto cá, como nos Estados Unidos”. Rui Horta gosta de passar conhecimento, mas gosta mais ainda de criar obras de dança. Após o regresso dos Estados Unidos, em 1991/92/93 foi professor convidado no Laban Centre em Londres, no Conservatório de Paris, no Conservatório de Lyon e na Rotherdam Dance Academy. Mas, pouco a pouco, o ensino passou a interessar-lhe menos. Estava cada vez mais fascinado pela coreografia. “A partir do final dos anos 80, princípios dos anos 90, a coreografia tomou a dianteira das minhas preocupações e eu comecei a desaparecer como professor. Aquilo não era prioritário para mim”.

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