24.3.08

Entrevista com Ana Luísa Rodrigues - Autora do livro "Aos Olhos do Mundo Portugal e os Portugueses Retratados por Correspondentes Estrangeiros"


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Ana Luísa Rodrigues é jornalista na RTP há dez anos e acabou de publicar um livro baseado na sua tese de mestrado, “Aos Olhos do Mundo Portugal e os Portugueses Retratados por Correspondentes Estrangeiros”.

IB: Por que é que decidiu investigar esta comunidade?

AL: Especificamente esta, porque apesar de ser uma comunidade discreta de correspondentes, são eles que têm a missão por profissão de analisar a sociedade portuguesa, traçar retratos, de noticiá-la. Dão contributos para formar a imagem de Portugal nas opiniões públicas internacionais. A imagem de Portugal lá fora depende em parte do trabalho destes correspondentes.

O facto de serem estrangeiros, de virem de outros países, possibilita-lhes ver com mais precisão alguns traços distintivos, características da sociedade portuguesa e dos portugueses.

IB: Como é que surgiu esta comunidade e como é que a caracteriza?

AL: 1974 foi uma espécie de ano zero, o ano de abertura de Portugal ao noticiário internacional e aos correspondentes. Já havia alguns correspondentes antes do 25 de Abril, mas eram muito poucos. Há uma correspondente, a Martha De La Cal, que está cá desde 1967 e a Marvine Howe, uma outra correspondente americana. O grande “boom” foi com a chegada da democracia e com a abertura de Portugal à imprensa internacional. Nos anos de 74/75 Portugal estava no topo da actualidade. Era muito normal ver-se capas de revistas, manchetes de jornais, como o Le Monde, a Time, o New york Times ou o Times com notícias sobre o processo revolucionário português. Havia muito interesse da comunidade internacional em relação ao que se passava em Portugal, o que se reflectia quer na chegada de correspondentes que estavam aqui sedeados, quer em enviados especiais que iam e vinham ver o processo revolucionário.

Foi uma fase de grande expansão, foi a altura em que Portugal mais cativou correspondentes e enviados da imprensa estrangeira. A partir do 25 de Novembro dá-se uma quebra do interesse noticioso relativamente a Portugal e nos anos 70, mas sobretudo nos anos 80, houve uma progressiva redução no número de correspondentes, com a estabilização do processo político português.

Durante os anos 80 houve o renascer de outros interesses. Apesar de ter havido esse pico em 74/75 e depois uma progressiva redução, é possível perceber que há vagas de nacionalidades. Por exemplo, nos anos 80, apesar de já haver muito menos correspondentes, são anos em que chegaram muito correspondentes do Brasil, sobretudo na segunda metade, a partir da entrada de Portugal na União Europeia. Nos anos 90 há bastantes correspondentes de países africanos, dos PALOP, e desde há uns quatro ou cinco anos para cá tem havido uma espécie de onda espanhola, de mulheres, jovens jornalistas, que vêm para trabalhar em Portugal e se tornam correspondentes e, neste momento, em termos numéricos a comunidade ronda mais ou menos os 50 correspondentes estrangeiros.

IB: Existe alguma razão para que escolham Portugal?

AL: O interesse de Portugal é muito limitado. Não se compara com o interesse que suscita uma França ou uma Inglaterra. Relativamente a Portugal é muito claro, se analisarmos do ponto de vista de nacionalidades, as mais representadas são a espanhola e a brasileira e, depois, os PALOP.

IB: Existe ainda hoje um espírito de comunidade. É muito diferente o que existe hoje daquele que existia na altura do 25 de Abril?

AL: Eu acho que existe um espírito de comunidade, até porque sendo uma comunidade pequena mais ou menos toda a gente se conhece. Há a Associação da Imprensa Estrangeira, que existe desde 1976 e que é uma espécie de instituição aglutinadora, que dá uma certa forma e identidade à comunidade. Isso faz com que haja um sentir comum, um sentir de comunidade, mesmo que não se vejam todos os dias. Hoje em dia, com as facilidades do ponto de vista tecnológico, as pessoas ficam mais fechadas sobre si próprias. Não há tanta necessidade de ir à sala de imprensa estrangeira do Palácio Foz, como havia nos anos 70 e 80, em que para se saber qualquer coisa do que acontecia, receber faxes, telexes tinha de se ir ao Palácio. Hoje os correspondentes têm muito mais independência, porque a informação é veiculada por outros meios e, portanto, apesar de haver um afastamento físico uns dos outros, há um certo sentido de comunidade.

Comparativamente ao que havia no 25 de Abril, nota-se na comunidade que há uma diferença de sentires relativamente aos retratos que traçam de Portugal. Há as pessoas que têm a memória muito marcada do 25 de Abril e do processo revolucionário, que viveram cá nessa altura, quer enquanto correspondentes, quer enquanto jovens. Essas pessoas têm uma visão de Portugal e do próprio exercício do jornalismo também um pouco diferente das pessoas que não viveram essa época e que chegaram a Portugal nos anos 90 ou já depois. No retrato que passam de Portugal existe bastante concordância. Não sendo unânimes as , mais ou menos todos os correspondentes de várias idades e de várias nacionalidades têm uma visão mais ou menos comum sobre a sociedade portuguesa.

IB: Que visão é essa? Qual a impressão com que ficam quando chegam a Portugal?

AL: Relativamente ao retrato que fazem de Portugal e dos portugueses, Portugal é um país bastante contrastante, existem traços que coexistem. Existem traços de arcaísmo marcado, coisas bastante arcaicas, situações que estão bastante abaixo dos padrões europeus, nomeadamente, os problemas na educação, a questão da burocracia, a questão das estradas com buracos, … Os correspondentes apontam vários exemplos, sobretudo nestes aspectos, de traços que ainda persistem de um Portugal de antigamente.

Mas depois, também reparam que, mesmo com estes traços, existem outros traços e outras características de país moderno. Ao mesmo tempo que há traços de arcaísmo e de coisas antiquadas, também existe coisas bastante avançadas. Um correspondente galego, que não levava mais do que três meses aqui em Portugal, dizia “vocês são o país da via verde, que não existe em quase país nenhum do mundo e também são o país das estradas com buracos”.

Por outro lado, vêem as mudanças que Portugal teve de fazer nos últimos 30 anos, o processo de democratização, a descolonização, a abertura da economia, que no dizer e no sentir dos correspondentes originou esta dualidade de realidades. Um dos correspondentes há mais tempo cá também referia isso, “os dois portugais parapelos”. Parece que há uma coexistência de dois mundos.

Em relação aos portugueses, falam de traços como a baixa auto-estima, o facto de sermos pouco auto-confiantes, de sermos afáveis no geral, embora os correspondentes de jornais e de órgãos de comunicação dos PALOP não refiram tanto esse lado da afabilidade. Isto, talvez, por fazerem reportagens das comunidades dos PALOP imigrantes em Portugal e de, portanto, não terem tanto essa noção. Também nos consideram um país muito ligado ao formalismo. Um dos correspondentes dizia “vocês são o país dos doutores e engenheiros”.

IB: No livro fala do conceito da “temporalidade suspensa”, o que é isto em relação a Portugal?

AL: Essa foi uma expressão que tentei arranjar para definir esta ideia do “tempo do suspenso”, que é uma característica importante que os correspondentes apontam. É a ideia de Portugal como o “país do mais ou menos”. No lançamento do livro um correspondente dizia “vocês são o único país que num convite para o lançamento de um livro dizem “esteja no Palácio Foz ‘pelas’ 18 horas e não ‘às’ 18 horas”. Há sempre um lado de “mais ou menos”, um bocadinho antes, um bocadinho depois. É sempre esta ideia de uma temporalidade um pouco dilatada, que depois tem efeitos práticos imensos: a questão dos atrasos crónicos, que deixam completamente os estrangeiros de cabelos em pé; o facto de demorarmos a decidir coisas; e de sempre aquela ideia do “até logo”, “logo se vê”. Tentei arranjar esta fórmula da temporalidade do suspenso para simbolizar todas estas ideias. Existe uma dificuldade de concretização e um adiamento das coisas, que é muito difícil. Mas, por outro lado, os correspondentes também falavam do reverso positivo disto, que é a importância do lazer, de “tomar o seu tempo”.

A vivência de uma temporalidade dilatada faz com que haja “nuances”, que derivam na sensibilidade. A questão artística ressalta muito isto, a poesia, por exemplo. A sensibilidade que existe e que se sente em muitos portugueses, “os matizes do cinzento”, como um correspondente espanhol dizia. “Espanha é um país a preto e branco, ‘lo pillas ó lo matas”. Em Portugal não é tanto assim.

“Aos Olhos do Mundo Portugal e os Portugueses Retratados por Correspondentes Estrangeiros” é um livro de Ana Luísa Rodrigues e está publicado pela Livros Horizonte. O lançamento foi no dia 13 de Março, no Palácio Foz.

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