14.3.08

É a Cultura, Estúpido!


Notícia e fotografia de Inês Branco

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É a Cultura Estúpido!, na Europa de Leste

"É a Cultura, Estúpido!" foi o nome escolhido para a série de tertúlias que se realiza no teatro São Luiz até Abril. Na última sessão, o debate foi dedicado à Europa de Leste. Moderados pelo jornalista Daniel Oliveira, Konstantin Yakolev, director do jornal "Slovo" com edição em Portugal, Branko Neskov, engenheiro de som, e Nina Guerra, tradutora de literatura russa, discutiram as facilidades e dificuldades de trabalhar na área da cultura em Portugal e reflectiram sobre a realidade dos imigrantes de Leste em Lisboa.

Afinal, que realidade é esta que permite a existência de tantos jornais e rádios falados em russo? Quem responde é Konstantin Yakolev, fazendo uma comparação com Itália. Só na zona de Milão, existe uma comunidade de um milhão de pessoas oriundas de Leste e, nem por isso, o sucesso da implementação de jornais de língua russa foi maior que em Portugal. "Este facto" explica, "deve-se à grande concentração de eslavos nas grandes cidades, como Lisboa. Vivem juntos e trabalham juntos". Quando o seu jornal surgiu, em 2001, veio colmatar a necessidade que estas pessoas tinham de ler em russo, "estes imigrantes tinham fome da palavra russa", afirma.

Mas será que existe mesmo uma comunidade? Nina Guerra desconfia, "uma comunidade implica muita coisa, ajuda financeira, por exemplo. Não sei se existe. Mas, se existir, fico feliz". Nina pertence à "comunidade antiga". Chegou a Portugal em 1990. Nessa época eram sobretudo mulheres casadas com portugueses que chegavam ao nosso país. "Foi o meu caso. Não vim na onda da desgraça". Eram poucos e vinham por razões familiares. Mas, no fim dos anos 90, a situação começou a alterar-se com a chegada de novas vagas de imigração.

Hoje, apesar da existência de muitos russos e ucranianos, as iniciativas culturais realizadas por estes imigrantes para os portugueses não são muitas. "Praticam a cultura as pessoas que têm lazer e tempo livre", esclarece a tradutora. Não parece ser este o caso dos seus conterrâneos, para quem a vida, segundo Nina, é tudo menos fácil. "A imigração não permite dispor de si. Exprimir os seus gostos. É luta pela sobrevivência de cada dia". Mesmo sendo casada com um português, viveu os três primeiros anos em situação ilegal, "eu passei um bocado até me endireitar", confessa.

A conjuntura económica do país também não parece ajudar, "os imigrantes têm sempre mais dificuldades que os nacionais, mas se a situação do país é má, a situação daqueles ainda se torna mais difícil". Ter de lidar com a burocracia de dois países é outro dos problemas, "quando se chega a casa e só se tem vontade de dormir, enquanto a preocupação é com a papelada, então não há força e perde-se o hábito de procurar a cultura". Com todos os defeitos da União Soviética, diz-nos Nina, havia o gosto pela leitura e pela cultura. Embora considere o trabalho das associações e da imprensa importante, "ainda é preciso dar mais facilidades aos imigrantes".

Branko Neskov não partilha desta visão tão negra. Vê a situação de outro ângulo, "deixar o nosso país é bastante mau, mas quando se encontra outro local para viver, já é um pouco melhor". No entanto, para ele, Portugal não está preparado para receber. "Em 90, 92 éramos raros e, como qualquer coisa rara, fomos tratados com carinho, mas agora é diferente, com as grandes vagas de imigração". Quanto à existência de uma comunidade, o seu sentimento é de que de facto existe, " temos já uma ideia muito clara de perfis de imigrantes. A própria existência de um jornal implica ter de existir uma comunidade que o lê".

Este sérvio, engenheiro de som, chegou a Portugal também no início dos anos 90, deixando para trás um país (Jugoslávia) desfeito em muitos outros países. "Fui impedido de trabalhar. Precisava de passaporte para viajar dentro do meu antigo país". A Alemanha foi a sua primeira opção, mas a frieza do clima e das gentes, fizeram-no escolher Portugal, "depois de toda aquela confusão, só queria um local mais calmo". Veio encontrar essa calma aqui, mas não só. Encontrou também a oportunidade que lhe permitiu permanecer. "O cinema que se fazia em Portugal na época era uma actividade artesanal, exercida num circuito muito fechado, em que os amigos se ajudavam". Não foi pois difícil descobrir lacunas "não existiam estruturas de pós-produção, o que me permitiu participar na sua criação".

Quanto ao cinema português, mantém características que o distinguem do sérvio. "Em Portugal o cinema descreve um estado de espírito. Na Sérvia tenta descrever uma história". Do cinema sérvio pensa que se conhece pouco em Portugal. "Está limitado a Kusturica". Apesar daquilo que o fez deixar a Sérvia, continua a manter o contacto, "faço um ou dois filmes por ano. A este nível a amizade não foi quebrada".

Mas não só ele mantém o contacto com a sua cidade natal. Nina deixou uma Moscovo em que, depois de Gorbachev, "parecia que tudo era liberdade", para voltar só passados dez anos. "Parecia-me outro país. Muita coisa tinha mudado. No meu tempo procurava-se literatura de qualidade. Os livrinhos baratos para aprender inglês deitavam-se fora". Chegou a pensar que a literatura de massas iria destruir a cultura adquirida ao longo de gerações. Hoje, não só se voltou a ler literatura de qualidade, como noutras áreas culturais o panorama é também animador "os teatros e cinemas de Moscovo e São Petersburgo estão cheios! Há muita produção de coisas novas. Às vezes é difícil, mas a cultura continua".

Se o dinamismo cultural nas duas maiores cidades russas, que chega a contrastar com o que se passa no resto do seu país, a admira, ainda assim lhes levava o exemplo português no que respeita ao teatro. Considera que o há de melhor em Portugal está no teatro Meridional, Cornucópia e Artistas Unidos e, se pudesse oferecer algo de concreto, mostrava as encenações que Luís Miguel Cintra faz dos autores russos. Quanto a estes mesmos, embora os clássicos sejam os mais traduzidos, devido sobretudo a que já não exigem o pagamento de direitos de autores, há muitos novos a surgir, mas que ainda não são conhecidos por cá. "É difícil fazer com que as pessoas comprem livros de autores desconhecidos". Ainda assim, deixa-nos a sugestão "Ivan Búnin é muito bom!".

Esta tertúlia inseriu-se no Ciclo Outras Lisboa, por ocasião do Ano Europeu do Diálogo Intercultural, a decorrer no São Luís Teatro Municipal até 28 de Abril.

3 comentários:

Anónimo disse...

considerar o Teatro Meridional do melhor teatro que há em Portugal revela uma certa ignorância e falta de horizontes e referências estéticas

Inês Branco disse...

É uma opinião... A Nina Guerra tem a dela. E, sinceramente, não me parece que ela seja o que eu chamo de pessoa ignorante, bem pelo contrário.

Anónimo disse...

imparato molto