22.2.07

Entrevista com Vasco Freire - representante da Associação Médicos pela Escolha



Esta entrevista realizou-se no dia 2 de Dezembro, ainda antes do início da campanha oficial do referendo sobre a despenalização do aborto.

O convidado foi Vasco Freire, fundador da Associação Médicos pela Escolha.



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MLS: Boa noite. Esta semana, a propósito da temática do aborto, vamos entrevistar Vasco Freire, fundador da Associação Médicos pela Escolha. Vasco, boa noite.
VF: Boa noite.

MLS: Quais são os objectivos desta associação?
VF: Antes de mais, obrigado pelo convite. A Associação Médicos pela Escolha é uma associação composta por médicos, enfermeiros, psicólogos e outros profissionais relacionados com a Saúde. O nosso objectivo principal é promover a defesa dos direitos sexuais e reprodutivos em Portugal e, neste momento, em relação à campanha do aborto que se avizinha, é eliminar o aborto clandestino. Estamos neste momento a fazer um movimento que se vai chamar Movimento Médicos pela Escolha, que vai participar activamente na campanha pelo “Sim”.

MLS: Vasco, vocês vão ter acções de divulgação científica, aliás, até já fizeram algumas. Em que consistem as vossas acções?
VF: Nós temos feito várias sessões de esclarecimento e participado em debates. Essas sessões são públicas. Falamos das várias formas médicas e cirúrgicas do aborto e temos feito esse esclarecimento, porque acreditamos que do ponto de vista científico é necessário que diversos equívocos e enganos que têm surgido sejam esclarecidos, e para que as pessoas possam votar de uma forma consciente. Nós acreditamos que a única forma de acabar com o aborto clandestino é através de um planeamento familiar eficaz e através de condições legais e estruturais que permitam que as mulheres possam fazer um aborto acompanhado medicamente, sem riscos, seguro.

MLS: Falaste em enganos e equívocos. Quais são esses enganos e equívocos?
VF: Vários. Na campanha de Noventa e Oito já aconteceram e nesta campanha em princípio vão voltar a acontecer. Por exemplo, quando falamos do aborto médico, ele é feito neste momento com dois fármacos. É um procedimento médico não invasivo, que pode ser feito em ambulatório, ou seja, sem internamento, até às nove semanas. É um processo que não é traumático se for feito com acompanhamento, sem a aura de criminalidade e de ilegalidade que existe ainda no nosso país, e não tem ligação nenhuma com as imagens que nós vimos há oito anos atrás, de pinças, instrumentos arcaicos…

MLS: Esses serão os métodos utilizados no aborto clandestino?
VF: Esperemos que já não. Esses eram métodos utilizados nos anos Setenta, provavelmente.

MLS: Quais são então os métodos utilizados hoje em dia no aborto clandestino, pelo menos que vocês tenham conhecimento?
VF: Do que nós presumimos, os métodos mais utilizados são o Misopristol, que é um medicamento e o Citotec (vulgarmente chamado Citotec), que é vendido no mercado negro a preços exorbitantes. Pensamos que essa é a forma mais utilizada neste momento. Por outro lado, nas clínicas presumimos que será feito por cortagem, mas também não sabemos. De qualquer forma, os métodos que seriam utilizados se o aborto fosse legal, seriam os métodos médico ou cirúrgico. O método médico, tal como eu disse, demora cerca de quarenta e oito horas, são dois comprimidos, é muito seguro e eficaz e a taxa de complicações é baixíssima. O método cirúrgico é feito por aspiração, é mais rápido, mas também é seguro, eficaz e sem complicações, ao contrário do aborto clandestino, que não tem qualquer tipo de acompanhamento ecográfico, médico, e que provoca muitas vezes infecções, hemorragias, que têm como consequência a infertilidade de várias mulheres ou até a morte.



MLS: Qual é a vossa estimativa para o número de abortos praticados em Portugal, se é que existe essa estatística?
VF: Não existem dados muito concretos. Nós sabemos que a estimativa pode variar entre vinte mil a quarenta mil abortos por ano. Sabemos, por exemplo, através de dados de clínicas espanholas, que apenas numa clínica foram feitos no último ano quatro mil abortos por mulheres portuguesas e que, por exemplo, em Madrid quinze porcento (15%) das mulheres que fazem abortos são portuguesas.

MLS: Nas vossas sessões de esclarecimento, nos vossos debates, quando se discute a questão da Vida Humana de um ponto de vista científico, como é o caso, onde é que entra o Direito de uma Criança a ser Desejada e o Direito à Vida? Sei que talvez seja um pouco complicado, mas qual é a sua opinião?
VF: A questão da Vida é sempre a mais polémica nestes debates sobre a questão da IVG (Interrupção Voluntária da Gravidez). A Vida, do ponto de vista científico, que é o que nos interessa (porque a Vida pode ser discutida do ponto de vista jurídico, do ponto de vista filosófico, …) é um processo contínuo. Nós não conseguimos definir cientificamente quando é que se inicia a Vida. Por outro lado, sabemos que a Vida Humana não existe antes das doze semanas, porque não há um desenvolvimento do sistema nervoso central que permita isso. Eu acho que quando nós pensamos em Vida Humana, pensamos num feto muito mais desenvolvido do que um feto com doze semanas e pensamos, principalmente eu como médico, porque acho que tenho essa obrigação e esse dever, numa mulher que está a passar por uma escolha difícil, e que eu devo, como médico, como profissional de saúde, ajudar.

MLS: Isso acaba por ser, digamos assim, um dilema quase moral, por isso é que eu estava a fazer a comparação entre o Direito de uma Criança a ser Desejada e o Direito à Vida. Presumo que na cabeça de um médico, tal e qual como na cabeça de qualquer pessoa, exista este tipo de dilema, até que ponto é que uma criança tem direito a vir ao Mundo, mas depois também tem direito a ser bem cuidada. Da sua experiência pessoal, qual crê que seja a posição da generalidade do pessoal médico português relativamente à Interrupção Voluntária da Gravidez?VF: Eu acho que nós temos tido uma adesão ao Movimento impressionante, maior do que o que eu estava à espera. Eu acredito realmente que um médico ou um psicólogo ou um enfermeiro que lide com mulheres que passam por esta questão, dificilmente não pensa em ajudá-la. É uma questão que provoca imenso sofrimento, imensa angústia, e é-me difícil acreditar que algum médico veja estas mulheres como criminosas. Obviamente que o dilema em relação ao início da Vida é uma questão subjectiva e cada médico fará a sua avaliação, e por isso é que é possível ter o estatuto de objector de consciência. Depois, se a lei for realmente aplicada e mudar, essas condições vão ter que ser revistas. Por exemplo, nós defendemos na Associação que a lista de objectores de consciência seja pública, para que as mulheres que se dirigem a um estabelecimento público para fazer uma interrupção voluntária da gravidez saibam de antemão se existem médicos nesses estabelecimento, ou não, que assegurem esse procedimento e, se por acaso isso não for possível, que o possam fazer (e o Estado tem de assegurar isso) no estabelecimento público mais próximo.

MLS: Para terminar, o Código Deontológico dos Médicos é mais restritivo do que a legislação em vigor. Quer num cenário de legalização, quer num de despenalização, como é que pretendem ver resolvido este problema?
VF: A lei de um país sobrepõe-se aos códigos deontológicos. Como o bastonário da Ordem dos Médicos disse, nenhum médico vai ser perseguido, vai ter problemas com a Lei, se fizer um aborto dentro da legalidade. Nós acreditamos que o Código Deontológico tem que se adaptar às realidades do país. Neste momento isso não acontece e nós acreditamos e faremos pressão para que isso aconteça.

1 comentário:

Sumi disse...

é lamentável a jornalista não ouvir as duas faces do assunto em discusão!!!
os movimentos de esquerda continuam a ocupar as redacções e a difundir a sua cultura facilitista, mediocre e irrealista