16.2.07

Entrevista com Ana Lopes - autora do livro "Trabalhadores do Sexo, Uni-vos"


Ana Lopes, antropóloga, nasceu no Porto em 1975, viveu onze anos em Inglaterra, onde se doutorou em Sociologia na University of East London. Chris Knight, especialista em estudos culturais daquela universidade, considerou-a a mais brilhante aluna de sempre da instituição "Mais importante do que andar a fazer simples análises académicas, um antropólogo deve estar preocupado em provocar a mudança."Activista pelos direitos dos trabalhadores do sexo, é reconhecida internacionalmente como especialista em assuntos relacionados com as indústrias sexuais. Fundou, e é hoje presidente honorária, do sindicato britânico International Union of Sex Workers (secção do GMB, a terceira maior organização sindical do Reino Unido). Voltou para Portugal em Março deste ano e acabou de lançar o livro "Trabalhadores do Sexo, Uni-vos", tendo por base a sua tese de doutoramento.


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Este programa foi transmitido na semana de 20 de Outubro de 2006.

IB: A 17 de Dezembro do ano passado foi criado um movimento com o objectivo de criar um sindicato ou associação profissional dos trabalhadores do sexo como melhor forma de defender os direitos dos trabalhadores do sexo. Chegou mesmo a ser criado esse sindicato em Portugal?
AL: Não, não chegou. E o objectivo nunca foi criar um sindicato. O objectivo desse encontro, dessa iniciativa, foi dar um empurrão para qualquer tipo de mobilização de profissionais do sexo em Portugal. Mas qualquer tipo de movimento ou de associação que possa surgir tem de vir de dentro. Portanto, nunca foi minha intenção vir dar lições de como fazer uma mobilização. Acho que não me cabe a mim tomar esse tipo de iniciativa. Eu sou uma aliada que pode ajudar, que pode fomentar a criação desse movimento, mas não é a mim que cabe a iniciativa e começar as coisas.

IB: Seria este o melhor enquadramento legal para o caso Português, ou seja, a criação de um sindicato tal como foi feito em Inglaterra?
AL: Não é necessariamente a melhor escolha. Eu acho que a nível internacional cada vez mais os profissionais do sexo estão a reconhecer a utilidade de ter os sindicatos como aliados, mas as únicas pessoas que sabem o que é melhor para si são os próprios profissionais do sexo que trabalham em Portugal. Portanto, são eles que têm que decidir qual é a melhor estratégia e há muitas estratégias à escolha, o sindicalismo é apenas uma das estratégias. É uma estratégia que os trabalhadores de outras indústrias têm utilizado desde o Século XIX, tem dado resultado noutras indústrias e tem dado resultados na indústria do sexo em alguns países. Acho que os trabalhadores do sexo em Portugal podem aprender com estas experiências, mas têm que fazer o seu próprio caminho.

IB: Em Inglaterra a criação do sindicato foi considerada uma experiência de sucesso. Quais os principais impactos da sua criação?
AL: Teve impactos a vários níveis. Talvez o primeiro impacto tenha sido a aceitação desta perspectiva laboral pelo público, ou seja, de que o trabalho sexual é um trabalho, é uma actividade laboral, as pessoas fazem-no porque têm contas para pagar como toda a gente que trabalha em qualquer indústria. Isto vem solucionar uma série de problemas e vem facilitar o diálogo e o encontro de soluções e de medidas para melhorar as condições de vida e de trabalho dos profissionais do sexo. A sindicalização também trouxe uma voz colectiva aos profissionais do sexo que até aí estavam dispersos, isolados e portanto não tinham voto em matérias que já eram importantes. Agora, através desta entidade colectiva, é muito mais fácil falar com os governos, falar com os partidos, falar com as pessoas que fazem a política e que têm um grande impacto nas suas vidas. A um nível mais concreto trouxe espaços sindicalizados. Há espaços como clubes de streap-tease que estão sindicalizados oficialmente. Portanto, o sindicato tem um grande impacto nesses espaços. Estamos a provar que é possível fazer o trabalho do sexo sem haver exploração e nesse sentido também temos resolvido muitos problemas pontuais que os profissionais do sexo sentem quer no trabalho, em casos de acidente, nas suas vidas pessoais e noutra série de problemas. Uma das coisas de que os nossos associados falam é do empowerment, é da capacitação que vem de fazer parte de uma comunidade, de fazer parte de um colectivo.

IB: Ou seja, embora sejam considerados uma minoria, sentem-se apoiados por trabalharem em conjunto. Cá em Portugal não há muito esse hábito de se criarem associações em que as pessoas com os mesmos objectivos se unem, mas esse caso é um bom exemplo. Na Nova Zelândia descriminalizaram por completo e este é por si considerado o melhor exemplo. Por que é que o considera o melhor exemplo?
AL: Considero-o o melhor exemplo, porque deste meu trabalho de falar com as pessoas quer em conferências, quer através da Internet com profissionais de todo o mundo, acho que é na Nova Zelândia que os profissionais se sentem mais seguros, que têm mais direitos, não havendo ali dois tipos de prostituição, a prostituição clandestina e a legal. A descriminalização é uma medida que vai tocar todos os níveis da indústria do sexo. O que é especial neste sistema legal é que não há leis específicas, não há leis especiais para a indústria do sexo. Há um mínimo de regras, porque se eu quiser abrir um café ou um cabeleireiro também há um conjunto de regras a cumprir. No caso da indústria do sexo qualquer estabelecimento, podemos chamar um bordel, não pode ter mais do que quatro pessoas, no sentido de evitar criar problemas às comunidades locais, às vizinhanças. Mas fora isso não há regras especiais, as pessoas não têm por exemplo de se registar com a polícia como acontece em alguns países, o que é uma medida extremamente discriminatória, em qualquer outra profissão não se tem que registar com a polícia ou com qualquer outra autoridade. Também não há testes médicos obrigatórios, o que também acho ser uma medida discriminatória. Mas pelo contrário investe-se muito dinheiro e muita energia em educação para a saúde. Há um entendimento das necessidades deste grupo de pessoas e portanto quando as pessoas vão à procura de serviços médicos não se sentem estigmatizadas por aquilo que fazem, sentem-se à vontade para utilizar esses serviços. Dos relatórios que tenho lido e ouvido, houve diminuição de violência, porque ao não ser clandestina esta indústria torna-se menos atractiva para as redes de criminosos. Também não houve aumento dos números da prostituição na Nova Zelândia, pelo contrário terá até diminuído um pouco, porque desapareceu o lado ilícito da indústria.

IB: Em Portugal, ao contrário do que acontece na Nova Zelândia, a prostituição ainda existe como sendo um problema social?
AL: Eu não acho que a prostituição em si seja um problema social, é a legislação que rege a indústria do sexo, é a estigmatização, as atitudes sociais, que levam a problemas do foro social e que levam à ligação da indústria do sexo com certos problemas, mas esses problemas não são inerentes à indústria do sexo. Mesmo os problemas mais graves como a violência, o tráfico, a toxicodependência, nenhum desses problemas são causados pela prostituição, não lhe são inerentes. É porque sempre se empurrou a indústria do sexo para a invisibilidade, para a clandestinidade, que ela aparece associada a esses problemas.



IB: O seu livro foi feito com base na sua tese de doutoramento. Em que área fez a tese e de que trata o livro?
AL: Eu sou licenciada em Antropologia, mas a tese de doutoramento é multidisciplinar, está algures entre a Antropologia e a Sociologia. O meu livro “Trabalhadores do Sexo Uni-vos” fala desta perspectiva laboral da indústria do sexo, fala da história da formação, do desenvolvimento quer do sindicato no Reino Unido, quer do movimento internacional dos profissionais do sexo.

IB: Tinha algum objectivo com a publicação do livro em Portugal?
AL: Tenho dois objectivos. O primeiro é inspirar os profissionais do sexo a mobilizarem-se, a aprenderem com as experiências de outros países. O segundo objectivo é dar ao público uma visão diferente da indústria do sexo, uma visão que eu espero que seja mais complexa do que as histórias a preto e branco que muitas vezes vemos nos meios de comunicação social, e por outro lado que seja uma visão de dentro. Eu acho que o que faltava era a visão dos próprios profissionais do sexo, uma visão que vem de dentro da indústria.

IB: Tem alguns próximos passos pensados para Portugal, agora que voltou?
AL: Tenho um novo projecto que é uma associação cujo objectivo é fomentar o terceiro sector. Ou seja, o sector que nem é o público e que nem é o privado, no fundo é a sociedade civil. O objectivo desta organização é dar apoio e tornar possível a sustentabilidade das organizações do terceiro sector. Portanto, o meu leque de acção está a alargar-se. No entanto, continuo disponível para dar apoio aos profissionais do sexo em Portugal, obviamente.

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