13.9.07

Conferências "A Busca da Felicidade" na Culturgest

Felicidade na Economia

No final de Maio, aconteceram, na Culturgest, as conferências sobre a Felicidade. Fui assistir a uma. O tema, à partida, não prometia muito, mas acabou por ser muito interessante: “Felicidade na Economia”.
O objectivo era explicar a ideia de felicidade na teoria dos modelos económicos e no mundo empresarial. Esquisito… A economia é uma ciência de números e a felicidade é subjectiva. Então, como é que a afectividade e a felicidade se cruzam com o pensamento económico?


O mote começou por ser: “Se tivesse apenas mais dez minutos de vida, o que faria?”.

A resposta foi: “Ia para casa ver os meus filhos”. Bom, eu não, que não tenho. Mas era o que o professor Luís Santos Pinto, da Universidade Nova de Lisboa, faria. Ter um filho é uma motivação genética, no entanto, pode ser uma má experiência. Há bebés que choram muito, que não nos deixam dormir… Será que quero ter um filho? Será que quererei ter dois filhos? Nesta decisão pesam componentes afectivas, mas também económicas. Afecto pode não faltar, dinheiro para um poderei ter, mas para o segundo… É aqui que entra a economia. Da componente económica faz parte o rendimento e este dá para prever.

Mas o que é a felicidade?

Considerando que a felicidade é “bem-estar”, a ela está inerente subjectividade, pois países diferentes terão critérios diferentes. É por ser um conceito subjectivo, que, para a Economia, é difícil medi-la. Apesar disto, é possível partir de medidas individuais para um todo e encontrar métodos que permitam medi-la e construir rankings comparativos entre países. Os dois rankings mencionados foram o World Values Survey e o Eurobarómetro. Segundo este último, Portugal tem 17 por cento de pessoas muito felizes, abaixo da média da União Europeia, 26 por cento. A Dinamarca vem no topo, com 49 por cento.

E será que a felicidade se compra?

Contra todas as expectativas, empiricamente os dados indicam que sim. Num dado país as pessoas mais ricas são as mais felizes, porque o rendimento é importante. Afinal, até não parece estranho e é até consistente com a teoria económica mais básica. Fazemos escolhas com uma restrição económica orçamental. Portanto, quanto mais elevado for o nosso rendimento, mais escolhas poderemos fazer!
Mas será que este acréscimo de felicidade é sempre proporcional ao acréscimo de rendimento? Não. O incremento é cada vez menor. Se na compra do primeiro Porsche (!!) ficamos felicíssimos, na compra do terceiro, a felicidade já não é tão grande. Daqui resulta que faz sentido cobrar mais impostos às pessoas mais ricas.

Será mesmo verdade que é o aumento do rendimento que provoca um aumento de felicidade? Não será que é a felicidade que faz aumentar a produtividade e que um aumento na produtividade provoca um aumento no rendimento?
Não. Provou-se que a causalidade vai do rendimento para a felicidade. Claro que o inverso poderá ser verdadeiro em alguns casos, mas normalmente é um acréscimo no rendimento que provoca um “incremento de felicidade”.

Quer dizer que o dinheiro é aquilo que nos torna felizes?

Felizmente, não! Existem sete factores principais que nos tornam felizes e cuja ordem varia consoante o país e cada uma das pessoas. A ordem genérica para os países ricos é esta:
1.º Relações familiares.
2.º Rendimento.
3.º Trabalho.
4.º Comunidade e amigos.
5.º Saúde.
6.º Liberdade pessoal. Aqui verificou-se que a qualidade do governo conta muito. Um exemplo flagrante é o caso da Rússia, que no ranking surge como país altamente infeliz.
7.º Prática de religião, ligação ao transcendente, meditação.
Depois, existem para além destes, outros factores como comer, fazer exercício, fazer sexo, relaxar, …
Outro aspecto interessante é verificar-se que, ao longo da história, os níveis de felicidade também podem ser medidos. Em 1820, 80 por cento da população vivia com menos de um dólar (comparado ao valor de hoje); na Idade Média, vivia-se para sobreviver; e hoje somos mais felizes, embora os níveis de felicidade estejam “flat” desde os anos 50.

Por que é que somos mais ricos, mas não somos mais felizes?

Várias teorias têm sido apresentadas para explicar este fenómeno:
1.º Artifício estatístico
Quando medimos o rendimento per capita, ele pode ir até valores incalculáveis, mas a escala da felicidade é limitada. Vai de zero a quatro. Se calhar, era necessária uma escala maior e simétrica.

2.º Teoria do Setpoint
Cada indivíduo tem um nível predeterminado de felicidade, que é determinado geneticamente. O fundamento está, por exemplo, em pessoas que ganharam a lotaria ou em pessoas deficientes, que não ficaram estupidamente mais felizes, nem estupidamente mais infelizes. No entanto, esta teoria é discutível, porque as pessoas não se conseguem adaptar completamente.

3.º Teoria da Habituação
Todos aspiramos a ter certas coisas. Apesar de ficarmos mais ricos, as nossas aspirações também são maiores. Esta teoria também é criticável, porque parte do princípio de que as nossas preferências não são estáveis.

4.º Teoria dos “bens de status”.
Esta teoria, também conhecida pela do “relative income”, diz que nós nos comparamos com os outros. Temos inveja das pessoas mais acima de nós. E, diz-nos também, que somos um bocado cínicos. Quando estamos em baixo, preocupamo-nos com a igualdade, queremos políticas sociais, mas quando estamos em cima, já não nos importamos tanto. Entramos numa “escalada competitiva”. Se o meu vizinho tem um BMW, eu também tenho de ter, se ele compra depois um Porsche, eu também vou ter de ter um, … Mais uma vez, esta teoria, como quase todas, é criticável, porque dois terços do peso vai para o rendimento absoluto. A partir daí é difícil dizer o que é um bem de status. Será que a casa é? Depende.

5.º Teoria do Capital Social
Também conhecida por “bowling alone” (Robert Putnam – RP), diz-nos que estamos a tornar-nos mais individualistas e menos sociáveis. Temos mais rendimento, logo podemos ter mais saúde, logo somos mais felizes. No entanto, temos um capital social menor, logo os dois factores anulam-se e não nos tornamos mais felizes. A crítica a esta teoria está em saber o que é o capital social. O RP não deu uma boa definição, porque não levou em conta o facto de o tipo de comunicação ter mudado. Hoje utilizamos mais o telemóvel, mais a internet. Mas será que isto nos torna mais infelizes? Realmente, há fenómenos que nos criaram mais stress, por exemplo, o querermos estar melhor que os outros. John Nash, na sua Teoria dos Jogos, mostrou-nos que, em muitas situações, podem haver vários equilíbrios e que podemos cair num equilíbrio menos bom.

Por exemplo, na Holanda, para criar um melhor equilíbrio, os sindicatos negociaram empregos em part-time, para haver mais pessoas a sair às 4h30m e assim dedicarem mais tempo à sua vida social.
Será que estamos a ser irracionais ao ficar em casa, não socializando e, por isso, sendo mais infelizes? Não. Simplesmente fazemos as escolhas com base naquilo que conhecemos da sociedade. É mais difícil encontrar grupos, porque é mais fácil ficar em casa, logo ficando em casa, não se formam grupos e, por isso, somos menos motivados a sair de casa.

Será que os governos e os economistas deverão passar a utilizar a felicidade para medir os níveis de satisfação de um país, em vez do PIB?

É preciso ter em consideração três coisas:
1.º Os economistas analisam o PIB real e não o nominal;
2.º Os economistas analisam o PIB per capita;
3.º A longo prazo não consumimos mais do que o que produzimos.

É verdade que o PIB é uma medida com grandes problemas. Tudo o que não passa pelo mercado não é contabilizado pelo PIB. Se fizermos um belo jantar em casa, não passa. Mas, se contratarmos uma empregada para o fazer, passa. Qual nos faz mais felizes? Um idoso num lar passa pelo PIB, podendo associar-se maior felicidade a um lar mais caro, mas se estiver em casa com a família, não passa. Onde é que ele é mais feliz? Portanto, o PIB está enviesado quanto às interacções sociais. Por outro lado, o PIB não leva em conta a degradação ambiental e, por ser uma média, não leva em conta a distribuição do rendimento.

Então porquê continuar a utilizar o PIB?

Porque é uma medida objectiva. Na felicidade não há comparações objectivas possíveis, porque cada país valoriza coisas diferentes e, assim, teriam de ser criados rankings diferentes consoante os países. Por exemplo, parece que os europeus têm mais tempo livre e valorizam-no mais e são mais avessos à desigualdade. Já os americanos não valorizam tanto isto. Quem é mais feliz?
O PIB pode ser abandonado, mas têm de ser avaliadas outras medidas.

O “Economist” pegou em sete factores de qualidade de vida, mensuráveis, e com eles criou um ranking, o “World Quality of Life”.
1.º Liberdade Política (?): 26.2%
2.º Saúde (esperança de vida à nascença): 19%
3.º Bem-estar material (PIB per capita): 18.8%
4.º Vida em comunidade (taxas de ida à igreja e de participação em encontros): 12.2%
5.º Relações familiares (taxas de divórcio): 11.3%
6.º Segurança no trabalho (taxa de desemprego): 7.7%
7.º Igualdade dos sexos (rácio de rendimentos f vs m): 4.8%

Portugal encontra-se no 19º lugar em qualidade de vida (WQL) e em 31º no PIB.
Por exemplo, a Rússia encontra-se no 105º em WQL e em 55º no PIB.
Os Estados Unidos estão no 13º em WQL e em 2º no PIB.

No ranking do PIB per capita dos países mais ricos estamos abaixo dos vinte primeiros, sendo a nossa posição, em 2005, a 31ª; em 1990, no World Ranking of Hapiness, estávamos em 35º; e, em 2005, no World Ranking of Quality of Life estávamos, como já disse, em 19º.

Conclusão: Não somos muito felizes, não somos muito ricos, mas temos uma grande qualidade de vida.