29.7.07

Perfil de Rui Horta, Coreógrafo - 1ª Parte



Quando tudo, de repente, acontece

Mesmo quando está calmo, nunca está sereno. Rui Horta é um coreógrafo alfacinha que já viu as suas obras percorrerem o mundo inteiro. Este ano comemora cinquenta anos de vida e trinta de percurso profissional.

Sentado numa das cadeiras da plateia do Teatro Camões, fala com uma das assistentes, enquanto toda a sua equipa continua a trabalhar. Ninguém os interrompe. “Esta é uma das formas de conseguir ter tempo. Eu escolho as pessoas, formo-as e confio no trabalho delas. É preciso saber delegar”. Alto, conserva ainda o corpo magro e bem esculpido, que lhe permitirá, se um dia quiser, voltar a dançar. “Como bailarino deixei de dançar relativamente cedo, danço muito bem. Ainda hoje as pessoas perguntam por que é que não danço. E devo dizer que hoje, neste momento, com 50 anos tenho imensa vontade de fazer um solo para mim, para eu dançar”. Por enquanto, continua do outro lado, dirigindo bailarinos e criando espectáculos. Em pleno palco uma grande estrutura em barras de ferro está a ser montada. Dali a dois dias tudo tem de estar em ordem para a estreia de Pixel, um dos espectáculos mais emblemáticos do coreógrafo Rui Horta.

São três da tarde e o tempo não pára. Por volta das quatro, o táxi estará à sua espera para o levar de regresso a casa. É assim que Rui Horta gere o tempo, ao minuto. “Consigo fazer muita coisa, mas para isso é preciso organização, uma agenda”. Montemor-o-Novo foi a terra que escolheu para viver, aquando do regresso a Portugal, no ano 2000. “Quando vim para Portugal, queria vir para o Sul. Eu sou um homem do Sul, estava farto de Invernos frios, com temperaturas abaixo de zero”. Na altura, a renovação da rede de cineteatros ainda não tinha começado. Se fosse hoje, talvez ele tivesse escolhido um teatro que já existisse, no Sul ou no Norte. Montemor, no mapa, pareceu-lhe muito bom. Não era muito longe de Lisboa. Mas os grandes impulsionadores da mudança foram duas pessoas do Ministério da Cultura, Gil Mendo e Ana Marim, que o informaram da existência de um Presidente de Câmara em Montemor-o-Novo muito interessado na cultura. Disseram-lhe também que Montemor era uma cidade muito bonita, pequena e com um convento a cair, um teatro a cair e que, portanto, ele poderia fazer a diferença. Rui desceu ao sul e constatou com os seus olhos o que os outros lhe haviam dito. “Eu aqui sou um tipo que posso chamar a atenção justamente com o prestígio e com a pedalada que tenho. Vou tentar renovar estes dois equipamentos, vou tentar empurrar esta agenda, vou tentar avançar e vou viver aqui.”

É com o nascimento do terceiro filho que Rui Horta decide deixar a Alemanha e regressar, em definitivo, a Portugal. Para ele as grandes decisões da vida não são decisões estratégicas, mas sim intuitivas. “Tenho o meu terceiro filho e penso que se calhar é mais interessante eles saberem quem é o Dom Diniz, do que quem é o Bismarck.”

Este regresso dá-se após dez anos de vida na Alemanha, os primeiros sete em Frankfurt e os últimos três em Munique. É para aquele país que vai, após um ano de crise entre 1988 e 1989, tinha então 32 anos. “Entre sair da Companhia de Dança de Lisboa e fazer o meu projecto de autor (Rui Horta & Friends) eu tenho aquilo que acontece quando se tem uma relação com uma pessoa durante muitos anos. Ninguém salta de uma relação para outra. Tem-se ali um período de luto. É o ano em que nada acontece na minha vida profissional, mas é talvez o mais importante”. Apenas deu aulas para sobreviver e não foi ver espectáculos. Todos os dias ia para o estúdio com o seu gato Flash, um gato preto apanhado na rua. “Passei um ano sozinho a viver algo para dentro, meu, e a questionar todo o meu passado. A tentar esquecer tudo o que tinha aprendido para partir de bases novas. Foi muito bom. É aquilo que eu aconselho a muita gente. É ter uma grande crise na altura em que eu a tive.”

Na realidade, Rui Horta não esteve parado. Quando saiu da Companhia de Dança de Lisboa, em 1988, decidiu fazer o que apelidou de “projecto de ruptura”, o Rui Horta & Friends. Madalena Azeredo Perdigão, uma das pessoas mais icónicas na sua vida, convidou-o dois anos seguidos para criar no Acarte (Gulbenkian). “E eu crio no Acarte uma peça chamada “Linha”. Nessa peça dançam algumas das pessoas mais emblemáticas da dança portuguesa, a Carlota Lagido, o Francisco Camacho, o Paulo Ribeiro e a Clara Andermatt. No ano seguinte, em 1990, faço outra obra chamada “Interiores.” Mas foi uma professora da escola onde estava, que viu estes dois espectáculos, e que levou uma cassete sua para a Alemanha. “Essa cassete aterra na secretária do Dieter Buroch. Isto muda a minha vida.”

De repente, Rui Horta estava na Alemanha, no teatro mais importante, o Kunstlerhaus Mousonturm, cujo director é Dieter Buroch. “Vou para lá como convidado para criar uma obra, depois ele convida-me para ficar a dirigir uma companhia, o Soap.” Para Rui Horta esta foi uma grande experiência. “De repente explodi como coreógrafo”. Talvez ele tivesse alguma coisa de novo para dar, numa altura em que a grande referência era (e continua a ser) Pina Bausch e Forsyth. “Acho que o meu trabalho tem uma frescura muito grande. Dentro da contemporaneidade eu sou de facto a grande referência nos anos 90, na Alemanha, em termos de dança contemporânea. Entre 1991 e 1995 eu sou fundamentalmente um produto de exportação do Instituto Alemão, do Goethe Institute”. Fez cerca de 800 espectáculos em cerca de 8 anos, no mundo inteiro. Do Japão a África. Do Brasil à Rússia, que tinha acabado de se abrir ao Ocidente. “Estás um mês no Canadá ou estás a dançar no Joyce Theatre em Londres ou no Spirehall em Tóquio. Foi uma coisa absolutamente extraordinária para um miúdo, que era um português, um alfacinha, que de repente chegou e que nunca pensou que tivesse esse talento.”

Em 1997, mudou-se para Munique, três anos antes do regresso a Portugal. Frankfurt não era uma boa cidade para se ter crianças e Munique, cidade do Sul da Baviera, para além de ser muito bonita, tinha a vantagem de estar perto do sítio onde moravam os sogros. A família tornou-se importante, após muitos anos de profissão. “De repente as crianças são a coisa mais importante da minha vida. De facto, o amor é a coisa mais importante das nossas vidas. Apesar de eu ter uma profissão excitante, os afectos são mais importantes”. E foi por esta razão que se aproximou de onde estavam os seus laços familiares. No entanto, em termos profissionais Munique não lhe oferecia o mesmo que Frankfurt. “Foram dois anos ainda muito bons para mim na Alemanha, mas foram já anos em que eu sentia vontade de voltar a Portugal”.

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Intervalo

Como nos próximos três meses não farei entrevistas, aproveito para colocar aqui outros trabalhos jornalísticos.